Episódio 8 - Sobre leituras para a pesquisa e outras aleatoriedades ao longo do caminho
Queria começar essa cartinha agradecendo pelo retorno de conversas e mensagens dos últimos dois textos publicados aqui. Aos pouquinhos estou encontrando o tom falar sobre a vida na pesquisa. A repercussão foi muito legal com muita troca de ideias e mensagens com colegas, gente que conheço, gente que não conheço, enfim, me deu até um ânimo para seguir por aqui apesar dos pesares.
Começo com um detalhe sobre a tabela de organização de artigos a serem publicados que é o sistema de cores. Para cada andamento de artigo eu escolho uma cor e vou alterando conforme muda de status - de submetido para revisado ou para publicado por exemplo. Sou uma pessoa muito visual em termos de leitura, então essa questão das cores acaba sendo central para mim. Logicamente eu tenho uma legenda das cores na tabela.
Hoje quero falar sobre um assunto que por vezes retorna e me incomoda: as leituras focadas na temática da pesquisa versus leituras em geral. É mais um daqueles temas que apesar de atravessar a todos não há exatamente um consenso. Assim, vou falar de como eu lido com as leituras das mais variadas ordens.
Em primeiro lugar, não vou falar de organização de leituras pra pesquisa porque eu realmente não sou a pessoa indicada para isso. Meu estilo é um tanto caótico e vou seguindo as coisas meio que no fluxo.
Quando eu era mestranda e doutoranda eu fazia muitos fichamentos, sobretudo no período do doutorado-sanduíche em que utilizava muitos livros da biblioteca da universidade e tinha que devolver. Atualmente não faço mais fichamentos pois escrevo, ou direto no livro, ou já num arquivo no google docs ou no word, onde já vou separando que acho pertinente pro artigo.
No entanto, acho que cabem algumas observações que fui coletando meio que intuitivamente ao longo dos tempos:
Eu acredito que toda e qualquer leitura pode vir a ajudar para a pesquisa, ainda mais em ciências sociais e humanidades. Pode ser pelo estilo do texto ou por uma informação e seu conteúdo, pode ser porque aquilo é exatamente o oposto do que tu quer escrever, pode ser por qualquer motivo, mas sempre acho que em algum momento aquilo vai servir, nem que vire uma anedota ou caso em sala de aula;
O que eu vejo é que normalmente quando a pessoa entra no mestrado ou em contato com um corpus maior de leitura - sobretudo no período das disciplinas - ela queira incluir quase tudo que lê no seu trabalho. Bom, isso é impossível e inviável, pois qualquer pesquisa vai prescindir de recorte;
E o que ajuda a fazer o recorte? Uma boa revisão sistemática de literatura a.k.a estado da arte - tem pessoas que usam uns nomezinhos mais “cirandeiros” que travestem de conceito, mas prefiro os termos clássicos. Tendo uma definição inicial do tipo de material que será lido e que constará de forma mais consistente no trabalho já é meio caminho andado ou até bem mais que isso em alguns casos. Obviamente que esse processo precisa ser atualizado em alguns momentos ao longo da pesquisa e novos descartes acontecerão, assim como a incorporação de novas referências. Sobre o tema da revisão de literatura, estou com alguns apontamentos para um texto em breve ;
Outra dificuldade: quando a temática precisa lidar com referências bibliográficas distintas entre si. Esse é um caso típico e ai eu recomendo uma tentativa de “equilibrar os pratos”.
Por exemplo, um caso em que e a pessoa tem um tema que lida com os discursos e “controvérsias sobre maternidade na ciência” a partir das “plataformas digitais”. Para acionar tal temática, com certeza terei que ler bibliografias sobre questões de gênero, questões de gênero na ciência, além da bibliografia sobre plataformização e digitalização. Se eu focar em uma plataforma específica, provavelmente também precisarei de dados e leituras sobre ela. A ideia é temos eixos maiores e eixos menores. No entanto, dependendo da abordagem do tema, quem vai construir essa bibliografia é você.
O primeiro trabalho que orientei na vida foi sobre Moda & Internet, lá nos idos de 2005. Assim mesmo de forma ampla. A bibliografia naqueles tempos, em português, era bastante limitada, e a aluna acabou trabalhando com a questão dos blogs. Construir a ponte entre dois tipos de bibliografias era o maior desafio do trabalho. Ainda é um trabalho necessário.
Outro ponto, tem momentos em que é possível alternar as leituras mais hard para o trabalho com literatura ou não-ficção. No meu caso, eu só leio teoria (leitura de trabalho) pela manhã bem cedo e a tarde. Não leio nada do trabalho a noite. A noite, eu gosto de ler quadrinhos ou qualquer coisa sem nenhuma conexão com meus temas de trabalho (se possível). No momento estou lendo um livro sobre um crime numa vinícola da França em 2010. Não deixe de ter suas leituras de conforto. No meu caso é horror e policial e meus romances históricos. Não sei sinta culpada em parar um dia ou um fim de semana ou feriado pra ler só que te dá prazer.
Eu sinceramente não acredito muito em bons pesquisadores que não lêem ficção. Sempre acho que falta alguma coisa, de matéria de vida. Sei lá, lembro de uma vez que fui em uma festa de departamento na casa de um colega e não havia praticamente um livro sequer fora da área. Passei a achar a pessoa um tédio.
Um último ponto, deixar sempre espaço para a aleatoriedade e desvios de rotas. Isso vale pra tudo, mas para as leituras para os trabalhos acadêmicos também. Durante a minha tese de doutorado lembro bem que eu estava com um problema sério na formulação da questão de pesquisa e em torno da minha hipótese, que naquele momento era inexistente.
Um belo dia fui até a biblioteca entregar um livro e retirar outro. Comecei a caminhar pelos corredores a procura do livro obrigatório quando com meu jeito desastrado bati em uma das estantes e caiu um livro literalmente no dedão do meu pé. Era um livro que não tinha sequer passado pela minha revisão de literatura, mas que me deu todo o insight necessário pra formulação da hipótese.
Acho que era isso. Provavelmente cada um vai achar seu jeito para selecionar bibliografia e a focar no que interessa entre a organização e um certo caos. Talvez algumas derivas sejam importantes. E por vezes é melhor focar num número menor de autores e conceitos e trabalhar eles de forma mais aprofundada do que querer mostrar que leu tudo.
O importante também é gerenciar a ansiedade em torno do que é possível fazer e ler em nosso tempo de vida, que nunca é o suficiente.
Até a próxima!
Adriana, conheci seu trabalho naquele projeto de Escrita Acadêmica coordenado pela Rosana Pinheiro-Machado durante a pandemia e permaneci te acompanhando desde então. Muito legal te acompanhar por aqui também!