Episódio 7 - Organizando as publicações
Bora falar sobre como pensar estratégias qualitativas para a publicação de artigos
Oi pessoal! Enviando essa cartinha diretamente do recesso, mas ainda em soft open. Voltei a trabalhar em algumas coisas (mais especificamente um artigo e um relatório), mas ainda de forma bem lenta dentro do meu próprio tempo. Volto aqui pra compartilhar algumas coisas com vocês, sendo a primeira delas uma tentativa de responder uma pergunta que já escutei inúmeras vezes - de colegas, alunos, enfim - como eu consigo fazer tanta coisa?
A primeira e mais sincera resposta é eu não sei e nem acho que tenha resposta para isso. Sou uma pessoa inquieta desde que me conheço por gente, apesar de calma para fazer as coisas. Nunca consegui fazer uma coisa só na vida, então por esse perfil depreendo que facilite pra mim alguns aspectos de estar envolvida em vários projetos.
Mas o ponto aqui não é falar da minha personalidade, mas sim trazer alguns apontamentos pra ajudar. Especificamente vou falar sobre publicações acadêmicas, ou fluxo de publicações e como eu as organizo, ou pelo menos tento, uma vez que não há uma garantia de nada e nem um controle real e efetivo sobre algo que depende de muitos fatores e pessoas.
Gostaria também de lembrar o contexto do qual eu falo como professora de Pós-Graduação e Bolsista de Produtividade do CNPq então minhas metas são diferentes de quem está fazendo o mestrado e/ou doutorado, ou mesmo pósdoc. Então não se compare e tente adaptar o que serve pra você e se serve - tem gente que não segue nada disso. Eu tenho um lado nerd com uma lua em virgem (risos) que me faz tentar organizar e facilitar o meu trabalho.
No Brasil, nas áreas de humanidades, normalmente a tese é uma pesquisa mais longa escrita em um formato quase como um livro. Mas há outros modelos em outros países por ex, na Alemanha em algumas áreas você precisa ter uns 6 artigos publicados - em boas revistas - e na tese você estabelece as conexões entre eles.
Eu fiz doutorado em um momento em que as cobranças em torno de publicações eram muito menores do que hoje em dia. A avaliação dos cursos ainda era diferente - quase no fim do doc é que as coisas começaram a mudar. Para minha sorte - ou sei lá - eu fui publicando alguns artigos ao longo do doutorado pq sempre gostei dos processos de edição e tinha tempo para isso.
Meu mestrado foi muito conturbado com mudanças de casa e cidades (acrescentem depressão e pé na bunda de um namoro de anos) então eu fiz o que deu, mas o doutorado eu fiz 100% no modo hiperfoco, mesmo não sendo bolsista integral (era bolsista taxas) e vivia ou melhor, sobrevivia, de freelas.
Ao terminar o doc, essas publicações foram centrais na minha primeira contratação como doutora, mas essa história - de como entrei na área a despeito de um monte de pessoas que achavam que eu não ia durar um mês - conto em outro momento porque ela é cheia de não-linearidades e coincidências.
Mas voltando às dicas, a primeira coisa é pensar nos principais eixos ou temas centrais do seu projeto de pesquisa e vendo o que é mais relevante e/ou interessante para ser publicado como resultado. Eu também separo os artigos mais teóricos dos mais empíricos, o que facilita tb a escolha de envio para quais revistas e coletâneas de livros. Como participo de alguns projetos diferentes entre si, ai também separo dentro dos projetos e mantenho uma tabela no excel pra não me perder.
Nessa tabela coloco título do artigo, autoria (se solo ou coletivo), a qual projeto ele pertence, a revista ou chamada de livro, qual qualis/fator de impacto e/ou índice h do periódico, os prazos (de envio de abstract ou completo) e a situação em que o artigo se encontra (em andamento, pronto, formatado, enviado, se ja recebeu pareceres colo os pareceres, etc). Vou atualizando ao longo do ano.
Uma coisa que acho importante é estudar sobre as revistas/periódicos, entender o estilo de textos, quais temas já foram publicados, qual a linha dos editores, se tem algum dossiê naquele momento esse tipo de coisa. Para mim o filtro qualitativo ainda está acima de métricas e coisa e tal, embora eu saiba que vou precisar cumprir o que foi prometido no projeto (X artigos em X revistas).
Livro super artsy e hipster publicado em Berlin em alemão e em inglês com um ensaio meu
No meu caso, acho que combino questões práticas - o que é preciso fazer - com as coisas que eu simplesmente quero fazer. Em vários momentos já abandonei artigos porque achei que não teria condições de terminar ou porque aconteceram situações que me levaram a isso. Dá pra combinar fazer um ensaio “bem doido” e publicar sei la num livro de uma editora “artsy” no exterior com uma publicação em uma revista A1 cheia de dados e alto fator de impacto. Já fiz e faço ambas as coisas. A questão é equilibrar.
Outro ponto importante é saber se a revista te dá feedback e em quanto tempo (uma média). No caso de não conhecer o periódico, tente conversar com colegas que já publicaram nele para saber como foi o processo. Lembrando que faço a tabela anualmente porque o tempo de publicação das revistas é longo, nunca menos de 6 meses, a maioria em torno de um ano ou até dois. Mas já tive artigos que levaram 3 ou 4 anos para sair. O Eloy Vieira tem um caso de um capítulo de livro que ele fez na graduação e que saiu quando ele estava terminando o doutorado - acho que era isso rs. Portanto, não adianta enviar o artigo e achar que em 2 ou 3 meses vai sair, isso até pode acontecer em casos excepcionais, mas não é a regra.
Lembro de quando eu era editora da revista Fronteiras e as pessoas me escreviam em outubro ou novembro achando que se mandassem o artigo naquela semana ele sairia até o fim do ano. Ai eu respondia que a edição já estava pronta e que provavelmente só sairia na metade do outro ano quando muito. Como já estive do outro lado do balcão - como editora - entendo de certa forma a demora dos processos. Portanto, essa organização de pensar sempre para o próximo ano é central e lembrando que a avaliação dos cursos é quadrienal então é possível ter um ano com mais coisas e um ano com menos.
Nas revistas estrangeiras - e mais recentemente nas revistas em geral - tenho dado preferência aos dossiês temáticos, pelo fato de que o calendário dos dossiês normalmente é mais enxuto e também porque o artigo estando num dossiê temático vai atrair a atenção de quem também pesquisa o tema, a publicação terá outros artigos que complementam ou que tem visões diferentes da sua naquele tema, enfim, não sei, tem me parecido fazer mais sentido. Aliás, também vale isso pra chamadas de coletâneas organizadas com temas específicos e em editoras boas com pareceres e tudo mais.
Hoje mesmo recebi um e-mail solicitando a revisão da bio e palavras-chaves de um capítulo que Carol Govari e eu escrevemos e submetemos em 2022 (vejam bem , vai fazer dois anos e deve sair mais pro fim do ano). O livro é sobre Métodos de pesquisa para música pop e está sendo editado por pesquisadores bem conhecidos da área e deve sair no fim do ano pela editora Intellect de Londres, uma editora que tem um selo focado em música.
Esse capítulo nos deu bastante trabalho porque ele lidava com alguns regionalismos gaúchos que precisavamos explicar pra um público maior, global (já era um desafio explicar isso para pessoas de outros estados do país, imaginem para uma audiência global). Acho que reescrevemos ele umas 2 ou 3 vezes em função dos pareceres, mas confesso que ficou muito melhor após essas revisões. Então a escolha das editoras é um fator determinante porque o livro vai atingir exatamente o foco de audiência, para além daqueles critérios técnicos da avaliação.
Acho essencial essa parada pra refletir sobre como organizar as publicações, no sentido de menos quantidade e mais qualidade e procuro usar o início do ano para isso (lembrando que esse fluxo talvez apavorante para alguns também é tangível por conta do envolvimento em projetos além do meu próprio). Outro ponto importante, estou falando aqui dos artigos que foram aceitos, há também aqueles artigos que foram rejeitados e que dependendo do caso podem e devem ser reescritos e reenviados para outras revistas. Acho que eu já escrevi por aqui, mas enfatizo para cada sim que a gente leva, deve ter uns 50 nãos. Quem sabe isso não vale um texto. Além disso, só o fato de mostrar um pouco como a gente faz isso, tira um pouco daquele véu mítico sobre “publicação de artigos” que só serve pra obscurecer os processos.
Bom, acho que basicamente minha organização das publicações é essa. Se eu lembrar de mais alguma coisa, falo no próximo texto e lembrando também que cada área tem suas especificidades. Se tiverem dúvidas ou questões comentem ou mandem um email que eu respondo. E antes de eu encerrar, duas dicas.
Está aberto o dossiê especial para submissão de trabalhos na revista Brazilian Creative Industries Journal cujo tema será Culturas Pop, Estudos de Fãs e Indústrias Criativas. O dossiê vai ser editado por mim e pela colega Simone Driessen da Erasmus Rotterdam University da Holanda e aceitaremos artigos em português, inglês e espanhol. O prazo de envio é 20/02 e a publicação sairá ate Junho de 2024.
A série de livros Popular Culture and World Politics da editora Routledge também aceita propostas de livros (autorais ou coletâneas) em fluxo contínuo. Quem tiver interesse envie e-mail aos editores - sou uma delas.