Episódio 5 - Last but not least
Morrendo de vergonha de retomar esse espaço após meses em que fiquei sem a mínima energia para escrever.
Voltando a newsletter depois de um período de completo abandono de mim mesma devido a uma série de questões: pessoais (exaustão, questionamentos existenciais se ainda valia a pena continuar por aqui; um certo desânimo com a vida acadêmica, muitos shows), profissionais (viagens para eventos, muito trabalho burocrático, pareceres, publicações, reuniões e até uma consultoria para o mercado) e familiares (Uhura passou por uma cirurgia pra tirar os dentinhos e teve duas úlceras ficando quase 2 meses reaprendendo a comer com sonda e tudo mais, agora está ótima; e doença e falecimento da minha sogra em decorrência do Alzheimer).
“It’s my party and I cry if I want to” (todo final de ano me sinto assim)
Finalmente nessa última semana, consegui voltar a rascunhar algumas ideias, mas o fato é que o final do ano é sempre difícil para todos, mas pra professor universitário é um momento caótico em que parece que tudo se acumula de forma exponencial e que simplesmente não vamos dar conta. Não sei por que é sempre assim e por mais que a gente seja organizada - eu até sou bastante - nunca é o suficiente. No meu caso, eu não consigo sequer fazer a unha, aparecem olheiras, os cabelos ficam despenteados, me sinto como num meme das bonecas trouxas.
Num evento em que fui em novembro na UFRGS em Porto Alegre sobre afetos, tecnologias e políticas eu comentei com os colegas, quem será que trabalha mais de graça? Acadêmicos ou fãs? Ainda acho que pesquisador é o que faz mais isso, tenho algumas hipóteses mas deixarei pra um outro texto. Como diz o Choque de Cultura, fica o questionamento.
De qualquer forma nessa trama cheia de fiozinhos que é o emaranhado entre a vida e a pesquisa, 2023 me trouxe uma série de negativas - o que é absolutamente normal e mesmo assim nos afetamos. Lamentei e sofri por cada uma delas, mas levantei alguns dias depois pra escrever tantas outras propostas e no fim das contas algumas coisas deram muito certo. As mais significativas me exigiram compreender e negociar coletivamente com vários setores e atores sociais. Aqui já trato de falar que cada vez menos a pesquisa pra mim é algo individual ou solo, embora eu logicamente tenha minhas questões individuais e pessoais e pequenas obsessões que tomam a minha mente no formato de questionamentos e perguntas de pesquisa, teorias, temas e objetos.
A primeira delas foi a fundação/oficialização da Fan Studies Network Latin America, uma ramificação da rede de pesquisa de Estudos de Fãs europeia que já havia gerado a FSN - North America e a FSN Australasia. Muito feliz por ser um projeto político e científico de campo que supre a demanda de muitas pessoas que vinham tentando articular isso desde 2019. A pandemia atrasou nossos planos, mas antes tarde do que nunca. Mais feliz ainda por contar até o momento com colegas brasileiras, mexicanas e argentinas. Em 2024 teremos ai nosso site, um evento online e otras cositas más pra coroar mais esse esforço do Sul Global.
A segunda delas é resultado de um contexto ainda maior e que culmina no aceite da candidatura de São Paulo como sede da conferência anual da Aoir (Association of Internet Researchers, ou Associação dos Pesquisadores de Internet) em 2025 sob minha organização. A Associação foi fundada em 2000 e nunca tinha feito nenhum evento na América do Sul. Falei mais sobre o processo nesse post lá da outra rede.
Acho que esse é um daqueles momentos paradigmáticos tanto para a área quanto para mim mesma porque sinceramente achei que não ia conseguir, ai fui lá e consegui daquele jeito “quase suicida” ou meio maluco que por vezes incomoda algumas pessoas e arregimenta outras tantas que gostam de mim no processo. Isso ficou muito claro pra mim, o tanto de gente que apoiou minha proposta, que veio conversar comigo e que sentia orgulho de ter o país no mapa da pesquisa sobre o tema finalmente.
Bom, mas esse texto não era exatamente sobre conquistas ou perdas, mas sim sobre o fato de que fazer ciência e fazer pesquisa demanda uma energia absurda e que às vezes parece não sobrar um pingo para mais nada. E é por isso que eu insisto tanto em termos de escapes (no meu caso são shows, festas, encontros com amigos e viagens). Além dos hobbies, se manter sendo quem a gente é, independente do que os outros pensam, mantendo seus próprios valores. Parece bonito no texto, mas sabemos que a realidade é bruta. De qualquer forma, eu ainda acredito que seja possível levar tudo isso de outro jeito, mas mesmo eu que sou assim uma otimista, enfrento momentos duríssimos como esses últimos meses demonstraram. Não está fácil ver mais programas de pós-graduação de qualidade sendo fechados por planilheiros que abrem um excel e dizem “olha ai estão no vermelho”; ver colegas qualificados desempregados; concursos surreais e estudantes sem estímulo para continuar.
De qualquer forma no apagar das luzes, voltei a perceber a importância do que eu faço não apenas devido a boa parte do meus temas e obsessões de pesquisas ressurgirem o tempo todo discutidos na mídia (tensionamentos de fãs X empresas; papel das plataformas digitais na vida das pessoas, entre outros) mas como uma intervenção bastante ativa num trabalho que está sendo desafiador mas cujo impacto social só vou poder comentar mais adiante. Além disso, três ex-orientandos voltaram a ativa e conseguiram se recolocar após muita luta. Eu fico aqui acompanhando e torcendo porque sei que em algum momento passarei a tocha adiante (calma gente, ainda falta tempo, a não ser que eu ganhe na mega sena da virada rs), afinal educação é também sobre o legado que a gente deixa, o que para mim nunca foi algo pomposo ou de seguir exatamente o que eu estudo e os meus autores - credo! Odeio quem trata abordagem teórica como culto, seita ou igrejinha.
Para mim legado é saber que alguns dos preceitos que eu defendo e o meu jeito de ser nessa vida da pesquisa ta sendo aprimorado e que sim, seguiremos pesquisando “objetos menores, fúteis, efêmeros” e todo aquele monte de agressões que ouvimos ao longo dos anos e na melhor “tradição” da teoria queer transformamos esses “objetos e teorias menores” não mais em xingamentos mas em motivo de orgulho porque sabemos o que eles significam na vida das pessoas, afinal quem imaginaria que por causa dos fãs da Loirinha, o governo alterasse uma legislação sobre distribuição de água em shows?
Por hoje era isso, deixo apenas meus votos de boas festas e de um 2024 melhor para todo mundo! E, claro, uma última canção dos musos de Hamburgo, Lord of the Lost :
For the rebels and the brave
The runaways, the renegades
For those living by the sword
The forgotten and ignored
For the victims standing proud
All the lonesome in the crowd
For all my kings and all my queens
And for everyone between
A song about love, a song about death
With desperation in my breath
I scream in silence, massive and violent
Hear my voice for I am lost
Singing for my broken ones
One last song, whoa
One last song, whoa
If I could sing one last song before the world ends
If I could sing one last song to you