Episódio 26 - Um dia frio, um lugar pra atualizar o Lattes
Dicas para uma relação menos tóxica com a plataforma mais popular entre os pesquisadores
Oi pessoal tudo bem?
Os dias voaram desde que apareci aqui para contar que já havia me mudado e tomado posse no novo cargo. Uma adaptação tão rápida quanto complexa, entre cidades, estados, culturas e diferentes tipos de instituições. Um tema para outro dia.
Aproveito para informar que desde a última semana também fui credenciada como Professora do PPG Comunicação da UFF e que apesar do meu nome ainda não estar no site atualizado, ele estará no edital de seleção para o próximo ano como possível orientadora que deve sair em meados de julho. Quem tiver interesse em cursar Mestrado ou Doutorado por essas bandas, fique atento. Estou feliz em estar de volta a uma instituição e a um programa de excelência após tantos percalços.
Desapareci por uns dias a mais do que planejava pois, o dia a dia caótico, um monte de trabalho (organização da conferência da Aoir, cada dia mais perto e edição de um dossiê, além de duas viagens de trabalho: Recife e depois Lisboa) somado à reflexão de estar chegando nos 50 anos em breve. Mas vejam, vou tentar não desviar do assunto hoje que foi algo que prometi: dicas para um relacionamento menos tóxico com o CV Lattes, afinal ele é mais duradouro que muito namoro por ai.
Lattes que eu tô passando…
A primeira coisa a se pensar sobre o Lattes é que ele é um documento de trabalho - como a sua carteira de trabalho se você é CLT ou a funcional do sou gov se você é servidor público - e que diferentemente do Linkedisney e outras plataformas, quando você preenche e atualiza as suas informações por lá você concorda que as informações que você está prestando são verdadeiras e que em caso você seja solicitado você tem como comprová-las. Lattes não é nem deveria ser motivo de ostentação ou de competição, e sim, possui a função de indicar o que fazemos e prestar contas à sociedade no sentido mais básico mesmo.
Minha mente já imaginando um conto de horror “A maldição do Lattes”
Antes de reclamar do Lattes, informo que num passado em que esse documento não existia, muita coisa não podia ser comprovada. Me recordo de uma história contada por uma conhecida - que eu nem lembro mais quem era de tanto tempo que faz - que disse que uma coordenadora de curso estava cobrando uma determinada publicação de um artigo que um professor dizia e se gabava de ter. A coordenadora solicitava o artigo para algum relatório e nada, nenhuma entrega, o professor enrolava, até que uns meses depois veio a obrigatoriedade do Lattes e lá estava artigo encantado com um “no prelo”. A coordenadora então após cansar de solicitar a entrega foi até a biblioteca, pegou o periódico que era impresso e ligou para o editor da revista explicando a situação. Bingo! O tal paper fora recusado na revista e não seria publicado. Infelizmente ela teria que relatar o fato. Num desses plot twists que parecem novela mexicana, antes que qualquer medida fosse tomada, algumas semanas depois o professor veio a falecer.
Conto isso não para dizer que há uma maldição de quem mente no lattes morrer - olha ai poderia ser um bom conto de horror, muitos funcionários de um certo ex-governo do país já estariam na death note - mas sim para mostrar a importância dessa plataforma, por mais que ela nos atormente e nos persiga, e tenha lá seus problemas de interface. Mas sinceramente fico feliz de saber que abro o lattes e não serei obrigada a assistir um reels ou ouvir um podcast, calculem! Espero que NUNCA integrem o CV Lattes com nenhuma rede social. Embora eu já tenha visto os resumos mais disparatados e fotos muito engraçadas.
Momento Buzzfeed: 5 dicas para melhorar o Lattes
Se você é uma trabalhadora ou trabalhador do Ensino Superior, não deixe acumular coisas pra atualizar. A cada trabalho que você fizer vá lá e atualize o Lattes. Eu sei que parece uma ideia chata e controladora. Mas vai facilitar muito a sua vida. Do contrário você vai esquecer e periga deixar para trás. Já falei isso, mas não custa repetir. Não espere até ter o certificado do evento, ou o retorno do parecer que vc fez para a revista, etc, atualize o Lattes e depois corra atrás da comprovação. Eu sou uma que quando estou encerrando a participação em uma banca, por exemplo - durante o processo mesmo já vou atualizando o CV.
Um parêntese sobre declarações, certificados, etc. Não tenha medo de ser chato. Peça declarações e certificados para as pessoas que te convidaram. Pelo menos um e-mail convite ou agradecimento já serve de comprovação. Uma cartinha em papel timbrado da instituição está de bom tamanho. Explique que é importante para você. Ás vezes você vai levar um ghosting, mas faz parte da vida. O trabalho acadêmico já é muito precarizado, ai além de não receber você ainda vai fazer algo que não te dá um certificado?
Outra coisa que muitas pessoas não sabem. Não precisa achar que só coisas estritamente acadêmicas devem estar lá. Se você deu uma entrevista para um jornal, escreveu um texto para um site, publicou um conto ou crônica, deu um parecer para um periódico ou congresso, produziu um vídeo ou um podcast, não esqueça de atualizar isso dentro da aba de produções técnicas e/ou artísticas. Elas são importantes e também pontuam - de uma outra maneira mas pontuam. Se tiver dúvidas de em qual categoria inserir a informação, converse com colegas, pesquisem nos documentos da Capes/CNPq, etc. Não deixem de inserir a informação e sobretudo os links - que são também as comprovações nesse caso. Muitos desses itens não possuem uma declaração formal, mas se você tiver os links de onde eles foram postados (youtube, spotify, etc) já está valendo.
Consultorias, assessorias e trabalhos para o “mercado” também podem ser inseridos, mas com parcimônia e olhando quais itens fazem mais sentido na relação com as suas pesquisas e projetos. Lembro também que muitos desses trabalhos são feitos de forma em que você não pode identificar a empresa, assinando contratos com acordo de confidencialidade. Normalmente no item disponibilidade você coloca restrita e não indica o nome da empresa. Na parte de mais informações você pode acrescentar que o trabalho foi feito de forma confidencial. E o próprio lattes tem o item se vc quer que ele seja visualizado ou não.
Claro, também vamos com calma e não precisa exagerar, se você foi campeão de bolinha de gude no Ensino Médio ou tirou sua CNH e ela foi uma grande conquista, não precisa colocar isso como um prêmio - pasmem eu já vi essa última como premiação em um Lattes e não estava preparada para a vergonha alheia que eu senti risos. Prêmio é melhor tese, dissertação, finalista de um prêmio literário, menções honrosas, prêmio de trabalho orientado esse tipo de coisa relevante. Prêmio de melhor redação no primário é super fofo e orgulhou sua mãe, mas né, não é o melhor item para ser colocado.
Outro ponto importante é não esqueça de encerrar os itens. Exemplo, você ministrou uma disciplina que começou em março de 2024 e terminou em julho de 2024, faça o encerramento inserindo a data de término. Do contrário, você vai ficar sempre com aquele fantasma no sistema. Vale o mesmo para orientações e tudo mais que tenha um prazo definido para acontecer como temporalidade de desenvolvimento de projetos de pesquisa ou de extensão. Quando ele terminar, vá lá e encerre o ciclo. Não tenha uma relação tóxica com o Lattes rs.
Uma coisa que também vale a pena é investir um tempo em conferir se os itens estão correta ou devidamente descritos. Um exemplo prático, a pessoa coloca “Palestra Tal coisa la whiskas sachê”. Acrescente em que lugar (cidade, universidade, instituição etc) e no campo das informações se puder acrescente com qual dos seus projetos ela se relaciona. Já vi pessoas perderem pontos em editais pq os avaliadores não sabiam se a palestra era nacional ou internacional fazendo com que pontos fossem perdidos. Facilite a vida dos avaliadores, seja de concurso seja de parecerista de um edital. Clareza e concisão facilitam o entendimento do que você faz.
E por fim, não forcem a barra alterando itens que são de uma categoria em outra. Exemplo prático: a pessoa coloca um verbete que fez para uma enciclopédia como se fosse um artigo em periódico. Apenas não! Com certeza um verbete tem seu valor, mas ele não é um artigo. Artigo em jornal, site ou revista de mídia também não é artigo revisado por pares, é artigo de opinião. Entra no item divulgação científica. Prefácios, posfácios, apresentações de livros tem seus itens específicos [outras publicações] e por ai vai.
A gente vê cada coisa que nem acredita, gente tentando dar aquela trucadinha básica para enganar, porém depois de tanto tempo o olho fica melhor treinado que qualquer IA. Após anos participando em comissões avaliadoras dos mais variados tipos e para as mais diferentes agências, etc, me sinto que como Roy Batty no monólogo final de Blade Runner:
“I've seen things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I watched C-beams glitter in the dark near the Tannhäuser Gate. All those moments will be lost in time, like tears in rain. Time to die.”
[obs: eu nunca vou super essa cena]
Por hoje acho que era isso, mas se quiserem mais algumas dicas ou tiverem dúvidas é só comentar e eu tento responder.
Alguns links e avisos:
Para quem quiser entender melhor quem foi César Lattes - vale escutar esse podcast da Ilustrissima com várias controvérsias e muito sobre a vida de uma das mentes brilhantes e conturbadas na ciência brasileira.
O livro Por que estudar fãs na comunicação? organizado por mim, Eloy Vieira e Aianne Amado já está em fase de editoração pelo selo PPGCOM da editora da UFMG e deve ser lançado até meados de agosto. Estou contente demais com essa mezzo coletânea, mezzo obra autoral.
Gosto muito dos escritos da conterrânea e também professora universitária Renata Dal Sasso. Esse último texto dela, Sobreviver, me pegou demais porque a posiciona num lugar geográfico/pessoal em que nunca estive, mesmo compartilhando coisas em comum. Comprei o recém lançado livro dela, Inundadas - sobre a enchente no RS - espero ler nas férias - e aguardo pegar um autógrafo nas minhas férias quando vou pra terrinha após dois longos anos sem pisar na capital mais distante do país. Também é engraçado que ela seja amiga de 2 amigos meus (Taty e Fabricio) e eu nunca a tenha conhecido pessoalmente em POA, esse lugar ovo onde todo mundo se conhece.
What Do Musicians Think of Digital Platforms? novo artigo de David Hesmondhalgh e D. Bondy Valdovino Kaye (em acesso aberto) no Popular Music Journal traz resultados da pesquisa sobre o que pensam os músicos da Inglaterra sobre os efeitos da plataformização nas indústrias da música.
Até a próxima!
Em meio a tanta performance em rede social, o Lattes ter essa seriedade e uma desconexão com as redes é um sopro de ar fresco, que continue sempre assim!
Parabéns duplo, pelo concurso e pelo texto. Precisamos realmente essas orientações mais práticas, pé no chão e que tampouco sejam simplesemente instrumentais. Se puder fazer um merchan e complementar, tenho essa aula/palestra gravada sobre o Lattes:
https://www.youtube.com/watch?v=LzQ6ZODrrH8