Episódio 25 - Uma nova esperança
Uma breve história sobre voltar atrás em decisões e a importância do apoio coletivo em um ambiente cheio de egos
Oi pessoal, tudo bem? Conforme antecipei na newsletter anterior fiquei desaparecida por um pouco mais de um mês. Para mim pareceu ainda mais tempo, pois fiquei mergulhada em uma série de trabalhos bem duros de avaliação e consultoria, quase uma gincana de atividades intermináveis, mas cá estou de volta, tentando me reorganizar em meio ao furacão do último mês. Prometo sair do modo meu querido diário acadêmico na próxima edição - estou cheia de boas dicas que coletei em dois processos avaliativos que participei nesse mês e muita coisa é relativamente fácil de implementar.
Mas, vamos às coisas boas, e elas aconteceram aos borbotões - na verdade consequências e desdobramentos de várias ações que tomei no ano passado. Em primeiro lugar, no dia 25 de abril de 2025 tomei posse como Professora Adjunta no Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Em julho de 2024 fui aprovada em 1o lugar no concurso da disciplina de Plataformas Digitais: Cultura e Poder e em 08 de abril fui convocada no Diário Oficial da União. Só a história de como eu quase não fiz esse concurso daria um textão, mas vou resumir.
Foto do dia da posse na UFF , 8a servidora pública da família, 3a profa federal (1a mulher). Do subúrbio Cavalhada pro centro do país. Dedico esse dia aos colegas de doutorado - lá nos anos 2000 - que me diziam que eu não teria onde trabalhar “pesquisando esses temas aí".
Crédito: Thiago Soares
Em 2018, após um trauma psicológico muito forte advindo de um concurso público para professor onde na resposta ao recurso no qual eu pedi uma simples explicação sobre o ponto da prova e recebi como resposta que eu nada sabia sobre teoria e metodologia de pesquisa (e olha que meu livro era uma das referências), tomei uma decisão profissional que era de não mais prestar concursos públicos no país.
Continuo achando que os concursos foram pensados pra um tipo de formato de quando eram poucas pessoas que tinham a formação, tudo muito voltado para um momento das universidades públicas muito elitista em que havia um perfil de professor e de universidade muito distinta, um sistema que precisa de uma reforma estrutural completa, mas esse é um assunto para outro dia.
Em 2022, quando o PPG Comunicação da Unisinos foi exterminado mesmo tendo atingido a nota 7, a mais alta da avaliação CAPES e a 1a universidade privada no Brasil a ter conseguido esse feito na área - me recuso a utilizar a palavra que os marketeiros e gestores utilizaram que foi “descontinuado” porque é meramente uma tentativa para “limpar a barra” do que não pode ser esquecido - passei 3 dias praticamente em silêncio pensando e refletindo sobre tudo que tinha feito até ali e o que eu faria diferente no futuro.
Naquele momento eu sabia que precisava me salvar - eu sabia que me deprimiria demais ao ficar vendo dia a dia tudo que havíamos construído desmoronar - e salvar meu laboratório de pesquisa, afinal eu tinha um financiamento da União Europeia e outro do governo alemão e me foi dito que sem pós-graduação eu não poderia continuar nos projetos.
Naquele momento, mantive a decisão de não prestar concursos públicos porque sabia da especificidade da minha subárea, sabia também da minha idade considerada já avançada para os concursos que pedem professores cada vez mais jovens - oi etarismo - e das dificuldades que isso acarretaria, uma vez que tenho meus projetos consolidados, coordeno um laboratório e não sou mais “jovem pesquisadora” que vá prestar vassalagem - coisa muito comum em determinados lugares.
Naquele momento fiz um planejamento mental para me manter na área acadêmica por mais ou menos cinco anos. Após esses cinco anos, ou eu sairia do país ou eu iria fazer outra coisa - essa outra coisa eu já havia até começado a desenhar o que era em um rascunho de plano de negócios, ainda bastante tímido. E não eu não ia virar influencer (blergh!) ou creator (blergh) e produzir conteúdo (çokorro) e vender cursos de como vender cursos (help!) rs.
Obs: Sejam sempre meio Pinky e o Cérebro, tenham vários planos. A maioria não vai dar certo, mas assim você não é pego de surpresa.
Em 2024, quando esse concurso específico abriu o edital para inscrições, eu não ia me inscrever, mas meu marido insistiu comigo por dias porque ele achava que minha relação com a Academia ainda não tinha terminado e que era importante que uma pessoa como eu me mantivesse nessa área, que eu traria esperança pra muitas pessoas que não se viam nesse tipo de lugar, ainda mais por conta da minha forma de trabalho e das minhas temáticas. Ele (e 2 grandes amigas que também me pilharam muito ) - tinham muito mais confiança em mim do que eu mesma que estava xoxa, capenga e desgastada.
Não tive síndrome de impostora, só estava cansada demais mesmo e pensando que todos os esforços seriam novamente em vão. Quase um mês antes do concurso, viajei para Berlim pois tinha compromissos de pesquisa por lá - que haviam sido marcados com meses de antecedência e muito antes das datas do concurso - e chegaria no Brasil 3 dias antes de ir para o RJ, seria pouco tempo para descansar mas ok.
Naquele mês de junho (há quase um ano) tava rolando a Eurocopa de futebol na cidade, aeroportos lotados e meu vôo de volta pro Brasil teve overbooking. Fiquei presa um dia a mais na Alemanha - o que foi até divertido - , porém desembarquei em SP exausta numa sexta a noite tendo que viajar pro Rio no domingo de manhã. Disse pro meu marido que eu iria desistir de tudo, dormi um dia inteiro pra me curar do jetlag e estava me arrastando de cansada após 15 dias em missão ministrando aulas, fazendo reuniões e escrevendo projetos em inglês, tentando me virar no meu alemão ultra básico e claro fazendo mil coisas divertidas pois assim como o meme, “não se dorme na Europa”. Ele não me deixou desistir, me colocou dentro do ônibus leito - a ponte aérea estava com preços superfaturados - com um monte de comida e fui cansada revisando minhas anotações sobre os pontos das provas. O resto é história e meses de tensão e nervosismo até a convocação, entrega de documentos e posse. Aí a correria da mudança.
Queria aqui agradecer a imensa rede de amigues [I have friends everywhere] - e do #amaralteam - que me ajudou no processo todo seja com mensagens ou atitudes, dicas, coisas pequenas ou grandes, não importa. Vocês são incríveis. Sem vocês nada disso seria possível. Mudar de cidade e estado é muito difícil e requer um tanto de coragem e espírito aventuresco. E, claro, ao Tarsis Salvatori que deixou um emprego no qual ele estava bem, era adorado e tinha um feedback mega positivo para mais uma vez apoiar o que era melhor pra minha carreira. Fico sempre pensando no tanto de mulheres pesquisadoras que não receberam esse tipo de apoio e torcendo para que logo tudo dê certo para ele por essas bandas.
Acho que contar esse pequeno resumo ajuda a dimensionar e também tirar essa ideia absurda de que podemos controlar tudo e que é só estudar e se esforçar. Como já falei várias vezes aqui, todos esses processos são muito complexos, é claro que há mérito e esforço, mas há também aleatoriedades e camadas que não são possíveis de prever. Além disso, processos desgastante como seleções, concursos, etc, são como o futebol, “uma caixinha de surpresas” e nos drenam energeticamente muito mais pelas questões psicológicas.
OBS 2: Na próxima newsletter vou falar a respeito do CV Lattes e algumas dicas
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Rebellions are built on hope
Dentre as coisas bacanas que rolaram nesse mês, fui agraciada com o edital de Bolsa de Produtividade do CNPq, mas conhecida como Bolsa PQ e subi de nível no ranking dos pesquisadores e pesquisadoras. Pra quem não sabe desde o ano passado, os níveis são C, B e A . Eu entrei no sistema do CNPq em 2010 e desde então seguia no antigo nível 2 (atual C). Finalmente depois de mais de uma década de trabalho intenso, subo um degrauzinho no extrato da agência e vou poder desenvolver com mais calma meu novo projeto de pesquisa. Fiquei muito feliz principalmente porque o parecer que recebi foi super respeitoso com a minha trajetória nada linear [tags: pioneirismo, inovação e consistência <3] e e até bastante rebelde e não canônico em termos de pesquisa. Que mais mulheres e outras minorias possam seguir seus caminhos na ciência e na pesquisa em cultura pop. We can do it!
Aliás, estarei falando sobre esse novo projeto "Zona Fandomizada Temporária. A fandomização das plataformas digitais e dos fenômenos da cultura pop", no evento de Esquenta Popfilia, na conferência intitulada "Performance, Audiovisual em Rede e Fãs: Conceitos para Estudos na Cultura Pop" conjuntamente com a colega Juliana Gutmann da UFBA na UFPE , sexta dia 30/05 às 10h.
A conferência visa qualificar os debates teóricos, metodológicos e empíricos nos avanços sobre a pesquisa em Cultura Pop no Brasil e se conecta à disciplina Estudos de Performance na Comunicação, ministrada pelo professor Thiago Soares e pelo pesquisador Mário Rolim no Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE. Quem for ou estiver pelo Recife apareça no Miniauditório 1 - Térreo do Centro de Artes e Comunicação (CAC - UFPE). O apoio é da FACEPE, CAPES e CNPq. Obrigada ao GRUPOP pelo convite :)
Coisas que eu ando vendo:
Tô super atrasada nas séries, filmes hypados e etc, mas após o furacão da mudança e do mergulho no comitê do processo de avaliação da conferência da Aoir no Brasil, terminei de ver a 2a temporada de Andor. Coisa linda! Melhor produto de Star Wars já feito. Um roteiro denso, debates políticos complexos trazendo matizes às noções de bem e de mal da franquia clássica. Personagens bem desenvolvidos e a gente ainda quer saber mais sobre eles. A força de SW reside nisso tudo, uma boa história. Chorei litroz ao final.
Leitura:
Não consegui avançar muito nas leituras de ficção, mas aproveitando o gancho de Andor, deixo como dica de leitura o artigo ‘Stranger than fiction’: How and Why Conspiracy Theorists Decode Fiction to Construct their Worldview” escrito por Matthias De Bondt, Stef Aupers e Roel Vande Winkel, recém publicado no journal Participations. O artigo discute a relação entre teorias da conspiração e ficção especulativa e a partir dai passa para uma análise empírica de produtos importantes da cultura pop como Matrix, X-Files e Star Wars.
Até a próxima!
Parabéns, professora. A UFF certamente saiu ganhando tendo-a em seus quadros.