Episódio 20 - Em busca da criatividade perdida na pesquisa em cultura digital
Ou da para substituir a "fadiga" das redes por vitaminas de rebelião e humor
Em primeiro lugar desejando a todo mundo que me lê por aqui um ótimo 2025, cheio de saúde, felicidade, amor e sonhos realizados. A virada do ano tem um simbolismo que acho importante. Dito isso, meu início de 2025 tem sido calmo porém com uma certa dose de ansiedade. Estou em recesso até o fim de janeiro, mas trabalhando em projetos pessoais e na organização da Aoir. Entre o final de dezembro e esse início de janeiro, tive um certo tempo pra refletir e tentar como sempre faço me reorganizar para o ano de vida e de trabalho. Pensar nas publicações, eventos, futuros projetos, etc.
Muito tem se falado sobre cansaço, exaustão das redes/plataformas e algoritmo, brainrot e tudo mais. Se fala sobre o consumo e produção de conteúdo - ando com cada vez mais alergia a esse termo conteúdo que virou sinônimo pra qualquer coisa. E o que eu acho mais complicado, toda essa “falação” vira também “conteúdo” [argh] como vídeos, podcasts, cards caphonnas e tudo mais.
Torcendo pela eliminação dos influ como uma praga
Ai eu fico duplamente entediada porque parece que na prática, a discussão fica andando em círculos e , feijoada nada acontece. A ideia do cansaço e tal é interessante como diagnóstico, mas não nos da ferramentas pra avançar na luta. Cada vez que alguem reitera essa metáfora na pesquisa, mais um urso panda para de procriar rs.
Também não tô aqui pra passar pano pra influenciador/a rhyko que divulga desinformação e que se associa a bets, apostas e jogo do Tigrinho. Duvido que qualquer um desses ai esteja cansado do algoritmo, que através da polêmica só aumenta seus lucros. “Pobrezinha da tal Virginia que tem contrato pra quanto mais as pessoas que apostam nos jogos perderem, mais ela ganha”. Me poupe! Nos poupe! Se poupe e retire esse tipo de conteúdo da sua vida. E olha que eu nem sigo esse tipo de gente, mas infelizmente as notícias chegam e a gente precisa também compreender os fenômenos.
Eu sei que vão argumentar que “existem os pequenos produtores de conteúdo”, mas depois que em um evento escutei uma famosinha dessas que não são tão grandes mas tb não são essas macro dizer que “continuava produzindo vídeos mesmo ganhando pouquíssimo do YouTube porque ela gostava e felizmente o marido ganhava bem”. Ali entendi que é vicio causado pela exposição e obsessão em ter apelo público e fama de nicho.
O que eu tenho sentido mais nos últimos tempos em relação às plataformas, mas sobretudo ao Instagram (o X também, mas desde o acontecimento todo eu larguei de mão e o Facebook é aquela cidade abandonada e modorrenta que só mantenho porque tenho vários contatos por la que talvez eu perdesse, sobretudo pesquisadores estrangeiros) é um tédio profundo e generalizado.
Fico revirando os olhos e pensando em fumar um cigarro - fico como na canção “eu que não fumo queria um cigarro” - pra tanta coisa copiada e sem graça, igualzinha à Ennui (tédio em francês), uma das novas emoções que é personagem da animação Divertidamente 2. Ou como diria o Trent Reznor antes das trilhas premiadas e dos 300 filhos, just a copy of a copy of a copy…
I am just a copy of a copy of a copy
Everything I say has come before
Assembled into something, into something, into something
I don't know for certain anymoreI am just a shadow of a shadow of a shadow
Always tryin' to catch up with myself
I am just an echo of an echo of an echo
Listening to someone's cry for help[…]
I'm just a finger on a trigger on a finger
Doing everything I'm told to do
Always my intention, my intention, your intention
Just doing everything you tell me to
A galera que pesquisa tendências e consumo já vem falando há um certo tempo sobre o retorno ao básico, não ter perfis em redes como novo luxo, volta ao físico e ao presencial e às mídias materiais (vinis, livros, planners, etc) tanto como formas de reconstituição do aprofundamento e do foco em determinado assunto como espécie de resistências às big techs.
Depois do último comunicado de Mark Zuckerberg da Meta - sobre essa questão, o vídeo da minha colega de pesquisa Raquel Recuero é didático, certeiro e preciso - , o que surpreendeu zero pessoas saber que bilionário apoia Extrema Direita, já vi aquele corre corre e o buzz pra desativar contas e obviamente a performance da declaração pública. Ou ainda, os relatos de quem ficou sem acessar como narrativas no LinkedIn.
Por um lado, tem um certo elitismo em abandonar as redes quando o discurso é atrelado a inúmeros privilégios - quem pode e quem não pode abandonar depende de $, trabalho, contatos. E a pressão por presencial no trabalho endossada por boa parte da imprensa tradicional está muito associada às necessidades de controle dos corpos pelas empresas e a pressões do mercado imobiliário pra voltar a preencher o monte de prédios que foram construídos e foram sendo abandonados.
Afinal, quem vai querer ficar horas no trânsito pra ficar olhando pra uma tela durante uma reunião corporativa. Qual a necessidade disso? É muito diferente de falar de uma volta ao presencial para encontros, clube de leituras, eventos de entretenimento e coisas prazerosas. Então é preciso estar sempre alerta para verificar de onde os discursos estão sendo disparados, follow the money.
Confesso que na maior parte do tempo morro de inveja de Dave Gahan - aqui o vocalista do Depeche Mode sendo feat do maravilhoso Goldfrapp - que só tem as redes oficiais da banda, que obviamente não são administradas por ele. No entanto, como boa fã, sigo a esposa e os filhos dele que ocasionalmente nos dão highlights, Dave na piscina, no jogo de futebol americano com o filho, na Grécia bebendo no aniversário da esposa - e nada de um showzinho aqui rs. Mas isso são outros quinhentos. Obviamente que é um enorme privilégio de poucos.
Acho que dá pra tentar um meio termo de uso, procurar outras redes, se bem que já tenho achado o Blue Sky também chatinho, mas me mantenho por lá pq ele está substituindo o X (Twitter pra sempre) onde a comunidade acadêmica da minha área e os fandoms estão e vários contatos legais já apareceram pra mim dessa forma. Já tive capítulos publicados por convites no Twitter, já fechei parcerias de projetos e coisas muito legais. Além disso, conheci algumas das minhas melhores amizades online.
Por outro lado, sim, é preciso voltar a focar em outras coisas, ler um livro físico por inteiro, escutar um álbum em sua totalidade, sair com os amigos sem hora pra voltar, perambular pela cidade sem um caminho pré-determinado, ir ao cinema no meio da tarde, esse tipo de coisa que parece meio perdida nesse mar revolto de micro-informações partidas em episódios de dramas de 30 segundos em vídeo. O doomscrolling é viciante.
Mas também não posso ser hipócrita, a internet e as redes me possibilitaram ter acesso a coisas que eu provavelmente não teria. Minha carreira toda foi internet based como objeto, ambiente e cultura de estudo e não eu não vou sair dela pra parecer cool - porque eu tava aqui quando tudo era mato - o que também não significa que tenho quaisquer aderências com gente tipo o pai dos filhos da Grimes, o Kiko dos Foguetes.
Estou falando tudo isso como contexto, pois ao final de 2024 tive uma crise. Eu que sempre defendi a criatividade na pesquisa - em aula, nas orientações, em palestras - e me senti travada, limitada. Me senti repetindo temas, estruturas, argumentos, formas de pensamento, métodos e tudo mais. Nunca tive paciência pra autores que lançam 300 livros com o mesmo argumento “não sei o que não sei o que lá líquido”, “bebida líquida”, um por ano pra cumprir cota. Ai me toquei que estava circulando pelos mesmos lugares da rede, lendo as mesmas coisas e decidi me colocar em suspenso e me retirar na medida do possível.
Me voltei totalmente pra literatura devorando um livro atrás do outro dos best sellers sobre gatos como cura à premiada pelo Nobel que nos dá um soco na cara atrás do outro com A vegetariana. Lembrei muito das minhas tardes na antiga Biblioteca do ICBNA (ou mais conhecido como o Cultural, tradicional curso de inglês) no centro de Porto Alegre. Passava boa parte das férias de verão por lá lendo coisas como as obras completas de Lord Byron.
Ouvi álbuns que não escutava com atenção há tempos e me dediquei a comprar ferramentas pra consertar bijouterias - eu tinha muita coisa que precisava de reparos - e comecei até a me arriscar a pensar em produzir algumas coisas próprias. Vi séries bestas, brinquei com os gatos, passei roupa (como defensora de alfaiataria amo) , entre tantas outras pequenas coisas que me trouxeram ânimo.
Parte disso talvez não tenha tanto a ver com as plataformas e sim com os esgotamentos que ser pesquisadora de humanidades e sociais - que pesquisa esse tema ainda por cima - traz em um país que nos obriga a competir o tempo inteiro por colegas por verbas que já vem com a perspectiva de cortes a projetos que na maior parte do caso são coletivos e grandes e que requerem mais financiamento.
Nesse texto aqui - A produção de conhecimento sob a lógica do mercado - publicado na DW, o autor esboça um bom resumo introdutório sobre essa situação no Brasil, ou o que a colega Suely Fragoso me comentou, “ele revela só a pontinha do iceberg” de tudo que tá rolando. Eu falo do Brasil, mas as Humanidades tem sido constantemente atacadas no exterior também - mas ao menos eles tem muito mais verbas do que a gente e aqui tudo sempre reverbera de forma mais cáustica e mais precarizada em certo sentido.
Dito isso, esse texto não é pra dar receita ou pra criar mais uma meta ou monetizar algum hobby. Na real esse texto é um desabafo sobre algo que normalmente paralisa quem trabalha com palavras. Eu simplesmente precisei me retirar e rever muita coisa que aparentemente não tem a ver com o que eu estava escrevendo ou pesquisando. Porque tenho visto muitos estudantes em surtos, perdidos e achando que só precisam ler coisas de sua própria pesquisa.
Ache seu farol de luz, não precisa ser uma ideia genial, apenas um pequeno ponto pra argumentar
Após esses dias, eu voltei lentamente aos escritos mais revigorada e com ideias sobre novos caminhos a seguir, uma pequena luzinha que funciona a pilha. Nenhum milagre, nenhuma desconexão, ao contrário, uma reconexão com coisas que estavam me escapando e voilá encontrei o caminho a seguir na escrita do projeto. Se vai dar certo e vão aceitar? Não faço ideia. O importante era tirar do plano mental e colocar na materialidade digitalizada do Word.
Chego ao fim (?) desse texto sem respostas, sem soluções milagrosas, mas tecendo alguns apontamentos sobre a importância de acessar outras culturas, outros materiais, outros imaginários, outras vozes e que isso possa de alguma forma nos trazer de volta o prazer de escrever, de desenvolver argumentos e metáforas menos problemáticas para explicar os fenômenos da cultura digital.
Tá na hora de parar com textos sobre cansaço, apatia, burnout e pensar em reconstrução, recriação de espaços. Respirar e ter força pra apresentar propostas e soluções. Chega de distopia, bora de solarpunk! Nós do sul não podemos nos dar o luxo de ficar nessa apatia toda, precisamos de uma dose de ódio e outra de bom humor pra reagir a tirania. Mais ação pragmática e menos diagnóstico mezzo furado psicologizante.
Eu tentando pegar um solzinho aqui em Gotham City lol
PS: Por falar em “solar”, fiz um checkup e descobri que estava com deficiência de algumas vitaminas, dentre elas a vitamina D - do sol, o que estava me gerando boa parte da fadiga e baixa imunidade. Comecei a reposição e logo volto ao meu ânimo. Ou seja, o ser humano é complexo e atribuir só as redes o nosso cansaço é um tanto quanto determinista. Além disso, fica o alerta pra fazer os exames crianças!
Links e dicas.
Pra quem tá em SP , duas exposições interessantes e gratuitas no Centro Cultural FIESP.
Outros Navios: uma coleção afro-atlântica.
Eu amo o gênero literário Gótico Botânico. Essa foto fiz de um frame de uma das animações da expo
Venenosas, Nocivas e Suspeitas por Giselle Beiguelman - natureza e tecnologia numa combinação que discute o papel (e o apagamento) das mulheres e sua relação com plantas “venenosas” e medicinais, colonialismo, e os limites e usos da IA na arte. Na casa da minha mãe tinham várias das plantas da exposição. Ela como boa descendente de indígenas, sempre utilizou desses conhecimentos.
Threads of resistance. Knitting and embroidery are laden with stereotypes of domestic femininity – and the subversive potential for protest - ensaio interessantíssimo de uma pesquisadora do King’s College, Gemma McKenzie, sobre ressignificação do tricô e do bordado por mulheres do conservadorismo do passado às potencialidades de protesto.
Journal of Beatles Studies - Pra quem tem coisas escritas sobre o quarteto de Liverpool, um bom lugar pra enviar artigos. - Lembrei da Eduarda Cividini
Essa "ressignificação do tricô e do bordado por mulheres do conservadorismo do passado" me lembrou aqueles panos de prato com frases espirituosas, e denúncias que tanto gostamos.
Ler um substack seu é quase como voltar no tempo e lembrar de tudo o que descobri graças ao seu blog Palavras e Coisas. Que delícia de newsletter, Dri!
E que tema pertinente. Eu até tinha uma certa vontade de compartilhar conhecimento sobre o que faço, curiosidades (inclusive tive um destaque no meu stories profissional sobre um crime de engenharia na Coreia do Sul que foi super legal de se fazer e fez relativo sucesso)... mas do jeito que o algoritmo quer e na frequência que ele demanda, para mim é impossível!
Felizmente percebi que meu trabalho tem sido muito mais rentável por ele mesmo e pelo word of mouth que por reels e trends, tanto o de engenharia quanto o de teacher. E isso me tranquilizou.
Beijos