Episódio 2 - Do you believe in vida após o semestre?
Pequenas táticas de sobrevivência acadêmica
Duas semanas passaram muito rápido e chegamos em Junho. Além de marcar a metade do ano é também um momento complicado pra quem é professor universitário e pesquisador, pois marca o final do primeiro semestre. Só não é um período mais conturbado do que novembro e dezembro, mas enfim cá estamos após 15 dias com vários prazos estourando. Vou usar essa justificativa para dizer que não eu ainda não consegui organizar o layout aqui do substack e nem encontrar um nome legal pra newsletter. Mas uma hora vai. Uma coisa que herdei de um querido colega foi contar as semanas das aulas com risquinhos no cronograma das aulas, emulando os risquinhos na parede de presidiários, todo aquele clichê dos filmes e séries sobre prisões. Comemoro a cada semana que passa, afinal, quando as aulas se encerrarem terei mais tempo para escrever artigos e despachar os que estão prontos para os periódicos. Nós pesquisadores de humanas e sociais somos mesmo seres peculiares, não é mesmo?
Há uns anos atrás eu peguei um uber voltando da universidade e o motorista resolveu me sabatinar sobre o que eu fazia e como “eu era uma privilegiada” por ter férias de 3 meses e só trabalhar 3 vezes por semana (os dias em que eu vinha presencialmente à universidade). Precisei respirar fundo e de muita paciência para explicar que eu tinha apenas um mês de férias como todos os outros trabalhadores, e apenas um recesso no período do final do ano. Fui listando com calma todos os projetos e os trabalhos que a gente desenvolvia e ao fim da corrida ele ficou pasmo e quase com pena da minha pessoa.
Aproveitando o final da minha comfort série, “Ted Lasso”, e pensando nessa sobrevivência nossa de todo o final de semestre em que sempre dizemos que não vamos acumular tarefas e elas vão acumulando mais do que louça suja na pia, decidi listar algumas estratégias que desenvolvi ao longo desses mais de vinte anos imersa nessa “cena” da pesquisa.
Nem todas as coisas vão funcionar com todo mundo - eu tenho um jeito muito leve de levar esse mundo, exceto quando estou irritada e cansada demais - , não é receita pronta escrita em pedra e também não retira o peso que as estruturas sociais têm nesse ambiente que dificulta mais o pertencimento de uns do que de outros, mas enfim, foram pequenas táticas que fui aplicando em maior ou menor grau e que fazem com que eu realmente sobreviva. É básico? É. Mas dado o componente viciante que essa área pode ter (minha orientadora de IC falava que pesquisa era igual a cachaça, muito difícil de largar) acho que vale tentar e, acima de tudo, acreditar.
1 Ria de você mesmo
Esse pra mim é o primeiro passo. Não é um pré-requisito do “sindicato dos acadêmicos de humanas” ser uma pessoa sisuda (“o intelectual”) ou hippie miçangueiro (esses estereótipos merecem um texto só deles). Não se leve a sério demais, o que inclui não ficar distribuindo carteirada a torto e a direito. O seu trabalho pode ser denso e respeitado sem que você precise falar sobre “desconstrução”, “afeto” ou “epistemologia” a cada postagem no insta. No fim das contas é só mais um trabalho. Esse é um dos motivos pelo qual eu jamais terei um perfil totalmente focado e com conteúdo estritamente relacionado à pesquisa, sou palhaça demais pra isso.
2 Tenha amigos e uma vida fora do ambiente acadêmico
Essa estratégia é central. Ache coisas que você gosta de fazer e que proporcione que você passe suas horas de lazer sem ficar falando o tempo todo do autor X ou da teoria tal. Vá em lugares que talvez você não fosse. Pratique exercícios - quanto a isso eu levei anos até conseguir adquirir o hábito. Leia ficção. Certa feita fui em uma festa de final de ano na casa de colegas e vi que essa pessoa só tinha livros teóricos e praticamente nada de ficção, achei deprê. Sim, eu julgo pessoas pelos livros e discos rs.
3 Saiba pedir ajuda
Ninguém sabe todos os meandros de um edital ou da burocracia X ou Y ou da teoria tal do filósofo do Tadjiquistão. Tenha uma rede de colegas a quem você pode recorrer - obviamente eles também vão recorrer a você. Não tenha vergonha de dizer que não sabe, que não conseguiu entender. Ninguém nasceu entendendo todos os jargões e métodos. A primeira vez que eu li o tio Foucault com 18 anos na bolsa de IC, eu comecei a chorar porque não entendi nada . Fui lá e enchi a minha orientadora de perguntas. Ler certos textos é como fazer exercício físico, precisa de repetição. É um aprendizado contínuo. Mas o principal é peça ajuda aos universitários! Por isso a importância de construir essa rede a partir do grupo de pesquisa ou das aulas, ou dos eventos etc. Eu tive a sorte de ter algumas colegas durante o mestrado com quem eu reclamava e debatia sobre pesquisa na mesa do bar. Com algumas delas trabalho até hoje <3
4. Celebre cada pequena vitória mesmo que nem pareça que é algo a ser celebrado
Entregou um artigo dentro do prazo? Dê uma volta e tome um sorvete. Foi aprovada num congresso? Abra um espumante e dance pela sala ouvindo um Kasinao - sucesso internacional!. Conseguiu escrever uma página em uma semana difícil? Se dê ao luxo e vá ao parque ou ao cinema. Enfim, essas pequenas recompensas ajudam a nos lembrar de que estamos vivos e estamos sobrevivendo um passo de cada vez.
Acredite!
Acho que por hoje é isso o que eu lembro de cabeça, considerando também que sou uma que nasceu sem a feature “síndrome da impostora” em termos de trabalho. Eu simplesmente faço o que acho que posso e aguardo os resultados. Vai ter um monte de negativa, vai, mas quando tem aceite, ai é só correr pro gol. Talvez por ter sido filha “temporona” sempre achei que todos os lugares poderiam ser potencialmente para mim, mas esse é um tema polêmico, podemos voltar a ele outra hora.
Enquanto isso recomendo a leitura do ótimo artigo Why everyone feels like they're faking it de Leslie Jameson que foi publicado na New Yorker em Fevereiro de 2023. Esse artigo traz uma reconstituição jornalística de como o termo "síndrome/complexo de impostor" foi se desvirtuando, a partir da pesquisa original na área de psicologia pelos manuais de auto-ajuda e posteriormente nas redes sociais. Vale a leitura.
Retorno aqui em 15 dias. Até lá, como diria Capitão Picard, engage!
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Chegou aqui em casa nos #recebidospagos a HQ “Nick Cave. Piedade de Mim” de Reinhard Kleist traduzida do alemão para o português. A HQ saiu pela Editora Hipotética que vem se especializando em lançar HQs sobre música.
Saiu o CfP - Call for Participations da conferência FSN-NA (Fan Studies Network North-America), congresso totalmente focado nos Estudos de Fãs e Fandoms. O envio de trabalhos vai até o dia 01/7 e o evento será completamente remoto entre os dias 11 a 15 de Outubro. Pra quem pesquisa cultura pop e cultura de fãs é um evento imperdível!