Episódio 18 - Diarinho de pesquisa e clichês de viagem ou a nostalgia de blogar - Parte I
Uma pesquisadora de cultura pop e tecnologia no seu habitat natural
Um giro pelos eventos, algumas historinhas pessoais e referências
E ai pessoal tudo bem? Desapareci por completo aqui do ecossistema do Substack, pois a vida deu trocentas voltas e mal tive tempo para respirar. A primeira delas foi descobrir que a Princesa, nossa gatinha mais nova - e a diva da minha foto aqui da newsletter - está com um linfoma no abdômen. Não vou entrar em detalhes da internação e tudo mais até porque ela já está em tratamento quimioterápico e reagindo bem - uns dias melhores e outros piores - mas segundo a oncologista, reagindo o melhor possível que um gato pode nesse tipo de tratamento.
A descoberta incluiu uma série de reestruturações na rotina e organização da casa, pois ela precisa ficar isolada dos outros gatos e precisa de cuidados mais atentos. Não só ela em si, mas a caixinha de areia e outros apetrechos. Também ficamos sem diarista que está bastante doente e afastada para tratamento, mas graças ao amigo Marcelo Soares que enviou uma substituta ;) estamos nos reorganizando.
A cartinha de hoje não tem um foco único, é mais uma coletânea de links e coisas legais que vi no tempo que fiquei off dessa plataforma. Espero que ela faça algum sentido e te ajude com algum insight ou link.
Hipster pop mangue brega: Hellcife
Tati Lima, Thiago Soares e eu em momento coluna social da IASPM- América Latina no centro do Recife. Obs: E essa paleta de cores <3
Tudo isso aconteceu às vésperas de uma viagem de trabalho pra Recife, onde fui participar do congresso da IASPM América Latina (International Association for the Study of Popular Music), um dos maiores eventos da área de musicologia (parêntese, se você assistiu Divertidamente 2 sabe que tem uma piada recorrente com etnomusicologia, uma das subáreas desse evento) em que finalmente apresentei meu trabalho sobre “Estética Doomerista e Molchat Doma no TikTok”.
O evento foi muito legal porque rolou no Centro Histórico da cidade de Chico Science e a maior parte das apresentações de trabalho se deu no Museu do Frevo. Baita organização do pessoal do Pós-Graduação em Música. E obrigada ao meu parceiro de pesquisa, de risadas e maior fã de Mariah e do brega pernambucano em linha reta da América Latina, Thiago Soares, pela acolhida em Hellcife, cidade que sempre amo retornar. Em tempo, Thiago recém lançou um novo livro de ensaios sobre música e estéticas da cultura pop. Chove no Clichê. Ensaios, críticas e desimportâncias pela editora da UFPE e tá disponível para download gratuito, só clicar no link.
“Getting a life” ou estudar fãs é seríssimo e divertido ao mesmo tempo
Ai voltei, e logo engatei a organização da Fan Studies Network North America Conference de forma online. Nesse ano, fiquei só de bastidores e tive a honra de mediar o painel com Henry Jenkins e Robert Kozinets sobre Estudos de fãs e consumo. Nesse painel, os dois monstros da pesquisa (o tema do evento era Monsters of Fan Studies) trataram da coleção de 14 livros - ainda estou pasma com esse número - sobre Estudos de Fãs que eles irão lançar nos próximos meses. Achei interessante a divisão temática inicial dos pesquisadores de fãs entre os fãs de música, de nerdices - incluindo livros, séries, games, filmes, etc - e de esportes, sendo esses os principais eixos de trabalhos publicados até o momento (sim há outros como celebridades, ou de produtos específicos como telenovelas).
A novidade sobre esses livros foi que serão auto-publicações e os motivos que ambos deram para essa escolha, - bastante polêmica em termos de livros acadêmicos - foram basicamente os seguintes: 1) os altos custos que as grandes editoras cobram para os leitores e sobretudo estudantes; 2) o repasse baixo de lucro que os autores tem publicando nas “grandes casas”; 3) a dificuldade do acesso para o público. Foi muito bacana que ambos reconheceram o privilégio de estarem em posições sênior e já terem publicado pelas maiores editoras acadêmicas do Norte Global.
Convergências e divergências: mediando painel sobre Estudos de Fãs e Consumo
Inclusive foi super legal que o tempo todo eles admitiram que só podem fazer isso porque estão nessa posição privilegiada onde podem produzir mais focados em divulgação científica e de já terem nomes e estabilidade na carreira. Não recomendaram isso aos iniciantes da Academia (também não recomendo, sobretudo por questão de reviews dos pares, de progressão na carreira, compreensão de processos editoriais, etc - outro dia falo melhor sobre). Achei muito sensato e bacana.
1. Foto do slide da palestra do Jenkins de 2016 sobre cultura pop e política; 2. Avengers Assemble, pesquisadoras brasileiras (Simone de Sá, eu, Camila Monteiro e Giovana Carlos) no Sainsbury Centre, a.k.a QG dos Vingadores em Norwich.
Aliás em 2016, Henry era o keynote speaker do FSN presencial em Norwich em UK (cidade de “herança viking”). Quando ele viu que tinha um painel sobre Fãs no Brasil, se dirigiu a gente e disse que queria muito assistir, mas infelizmente o orientando dele de doutorado estava apresentando em outro painel no mesmo horário. Pô o cara é traduzido nos 4 cantos do mundo, participou da formação da primeira fase do MCU e ainda vai la assistir os orientandos como qualquer professor. Enquanto isso, tem gente muito menos conhecida na fila do pão aqui por essas bandas que se sente a última bolacha do pacote ao destratar colegas e alunos.
Um parêntese, em 2023 supervisionei o Estágio de Doutorado de uma estudante mexicana que me relatou ter enviado 12 e-mails para professores de diferentes instituições aqui de SP para poder fazer o intercâmbio. Ela tinha a bolsa, mas precisava de alguém que topasse orientá-la por 3 meses. Desses 12, apenas 3 responderam e apenas eu aceitei a orientação porque chegamos a um consenso em torno de método. Os outros dois não se dispuseram porque disseram que “não tinham interesse em discutir a metodologia que ela trabalhava pois trabalham apenas com método X ou Y”. Enfim, deu tudo certo e ela pôde usar a bolsa que ela tinha da própria universidade e a ajudei a encontrar um caminho para a tese.
Oh Manchester, so much to answer for
Hora do pub antes do evento: eu, Simone Driessen (Holanda), Ben Litherland (Ing), Adrienne Massanari(EUA) e Bethan Jones (País de Gales).
De volta aos eventos, fechei o ano de congressos com uma mini-tour - me sentindo os irmãos gallagher por alguns dias- pela Inglaterra e Irlanda. Comecei pela minha querida Manchester [sempre bom demais pisar na terra de Joy Division, New Order, Stone Roses, Alan Turing, Sufragistas, Johnny Marr, Manchester City e por ai vai], onde participei do seminário Play, Politics, and Participation: Exploring Ambiguous Fannish Practices in Online Networks no Manchester Game Centre da Metropolitan Manchester University.
Organizado pelos querídissimos e nerdíssimos na melhor acepção do termo Ben Litherland (nosso especialista em Wrestling e games) , Bethan Jones (a maior investigadora acadêmica de Arquivo-X, turismo de fãs e true crimes) e Simone Driessen (rainha das swifties e das fãs de boybands) o evento reuniu um time muito legal de pesquisadores e pesquisadoras para falar sobre fãs, políticas e afetos.
Ainda contamos com uma apresentação especial de Adrienne Massanari (American University, USA) sobre seu novíssimo livro Gaming Democracy. How Sillicon Valley leveled up the Far Right que acaba de sair pela MIT Press. A hipótese central do livro é que os discursos das Big Techs do Vale do Silício e sua ênfase em meritocracia e liberdade de expressão absoluta contribuíram muito para a guinada à Extrema Direita nos EUA a partir de movimentos e comportamentos tóxicos das comunidades gamers. Para isso, ela parte da fatídica campanha de assédio Gamergate em 2014 para contar um pouco dessa história. Já tô com o livro aqui, mas ainda não consegui parar pra ler.
Em tempo, se você é jornalista e cobre as áreas de tecnologia/games/cultura pop etc e não sabe sobre esse episódio, tá na hora de estudar um pouquinho de história do seu próprio campo. Esse episódio horroroso de assédio contra minorias também influenciou outro, o Comicsgate, mas na área de quadrinhos.
O ponto de Massanari é justamente que os métodos de ativismo extremista e de radicalização de várias pessoas se deu a partir das práticas que aconteceram nesse período. Lá nessa época (2014), meu orientando Rodrigo de Oliveira que fazia mestrado sobre mulheres gamers e eu escrevemos um artigo de opinião em um jornal explicando um pouco o caso. Acho que nunca fui tão atacada na vida por comentários horrendos quanto nesse texto.
Obs: dá para escrever um texto inteiro sobre as inúmeras vezes que os membros do CULTPOP foram atacados online por pessoas que pensam que não deveríamos fazer esse tipo de pesquisa. Estudar cultura pop na Academia te traz haters contumazes!
Foto por Bethan Jones. Como dizer que vc é uma pesquisadora latina sem dizer, você fala com as mãos. Detalhe de um dos adesivos do meu note: In Filoni we trust (entendedores entenderão)
Da minha parte, apresentei resultados de um trabalho ainda em andamento no Lab de Pesquisa em co-autoria com os mestrandos Giovana Bordini (UNIP) e Guilherme Alves (UERJ). Em ‘Deplatforming of Brazilian Stan Accounts on X. Politics and Fan Practices’ apresentamos nosso mapeamento inicial dos impactos/efeitos sociais e políticos da proibição do X no país nas fan accounts brasileiras. Falei alguns spoilers disso, na entrevista que dei para a revista norte-americana de tecnologia, Wired em final de setembro.
Resumão:
A importância dos estudos de cultura pop nos ambientes digitais estão hoje no epicentro das discussões sobre sociedade e política no mundo todo. A “fandomização” dos movimentos sociais e do ativismo, aliado às práticas e discursos das plataformas digitais gerou um caldeirão de fenômenos complexos que não podem mais ser observados apenas pelo viés dos estudos “clássicos” de sociologia, ciência política, antropologia etc. E se vc chegou até aqui, obrigada por me ler - espero que tenha entendido as referências.
Bom, vou encerrando a cartinha de hoje por aqui senão ela vai ficar muito longa. A ideia, mais do que falar da minha viagem, era trazer um panorama do que está rolando na pesquisa internacional e deixar algumas referências. No próximo episódio tem mais!
Curadoria de Links da Adri:
Parte 1 do dossiê Cultura Pop, Estudos de Fãs e Indústrias Criativas na Brazilian Creative Industries Journal editado por mim e pela colega Simone Driessen (Holanda) com artigos que tratam de Demonslayer a Beyoncé, de séries canceladas a K-Pop.
Relatório do YouTube sobre importância de fandoms e da cultura pop para as marcas.
Podcast Ill Effects sobre mídia, cultura pop e pânico moral, produzido e apresentado pelos pesquisadores Ben Litherland e Richard McCulloch.
Fan Studies in Latin America: a call to arms é um artigo escrito por mim, Clarice Greco (Brasil), Libertad Borda (Argentina) e Nadiezdha Camacho Quiroz (México) trazendo um panorama inicial sobre os Estudos de Fãs na América Latina e um comparativo entre Brasil, Argentina e México. Além disso, é o chamado pra FSN- LATAM que já começou suas atividades.
Até breve! Não vou demorar tanto!