Oi pessoal, tudo bem?
Depois de um março super corrido, abril parece estar seguindo os mesmos passos. Entre tantas coisas que fiz da última edição da newsletter pra cá, tive tempo de refletir um pouquinho mais sobre a segunda parte do “tema polêmico” sobre o que está faltando na formação dos pesquisadores.
Reparem também que não estou falando sobre questões pedagógicas, sobre como dar aula ou reflexões sobre essa lacuna em si - esse é um ponto que merece atenção, claro, mas também requer um texto específico para mais adiante. Talvez também por me sentir um tanto mais confortável na skin pesquisadora do que na de professora - tema que já foi discutido em sessões de análise - eu ainda não tenha falado sobre isso, mas falarei.
A mágica dos orçamentos
Citei a questão dos projetos no post anterior, mas acho importante falar de um subitem que é central, o entendimento e a formulação de orçamentos. Sim, eu ouço a cantilena “sou de humanas, não entendo nada de exatas” das vozes ao fundo enquanto digito. Eu até entendo - embora curiosamente eu tenha sempre gostado de matemática na escola (meu pavor era química e biologia) e tenha ate um bom raciocínio lógico, mas a questão aqui é mais profunda que decorre do entendimento do edital. Sim, muitas vezes eles não são claros o suficiente e deixam muitas dúvidas sobre o quê pode ser incluído nos custos. Ai é ler e reler e consultar as agências de fomento e os colegas que têm mais experiência.
Nessa última semana não por acaso trabalhei em 2 orçamentos de 2 projetos diferentes. Um nacional e suas terminologias que por vezes nos confundem e outro internacional que me fez ficar montando calculos por horas trabalhadas e muitas conversões entre 3 moedas distintas (ex prático, a assinatura de um software me foi passada em dólar e ai precisava passar pra libra esterlina, já outros valores eram em euro e outros em reais). Matemática básica que uma regra de três e a calculadora do celular ou do próprio computador resolvem.
A diferença é que nesse tive a ajuda do departamento de projetos da universidade que está propondo o projeto fora. Muitas das universidades estrangeiras tem departamentos ou ao menos alguém mais técnico que ajuda os professores a deixar o projeto o mais redondo possível ainda antes de ser submetido. Nesse caso específico, eu tinha várias dúvidas sobre quais itens podiam ser incluídos e questões que o próprio edital não esclarecia (sobretudo no que tange a porcentagens). No caso do projeto nacional, minha colega ligou diretamente pra agência e tirou algumas dúvidas que ainda tinhamos, mesmo depois de ter lido e relido as regras umas 5 x.
Da minha parte como acho que os PPGs podem ajudar os estudantes com isso? Acredito que através dos grupos de pesquisa e orientadores e tendo transparência de mostrar os processos, além de fazer com que eles sejam incorporados de forma mais ativa e autônoma em projetos, desde que obviamente sejam dos seus interesses de pesquisa e de suas temáticas (e do tempo de cada um claro).
Experimentações metodológicas
Ta ai uma coisa que me incomoda muito. A falta de discussões metodológicas sobretudo de mais adaptações e operacionalizações das mesmas (além de algumas descrições de bastidores). Por vezes vejo páginas e páginas de descrição sobre o método em si (pode ser qualquer um Análise de Conteúdo, Etnografia, o que for) e praticamente nada sobre como aquela pessoa ou aquele grupo está operacionalizando o método naquele caso/pesquisa específica.
Se no outro post eu falei do uso dos softwares, aqui é algo de outra ordem pois vejo que as pessoas estudam em geral muita teoria e pouco sobre método em si e muito menos ainda sobre diferentes métodos e técnicas de pesquisa. Certa feita, entrou um pos-doutorando em um projeto que eu coordenava. A pessoa era muito boa em termos conceituais, mas tinha muita dificuldade com qualquer técnica que não fosse um determinado tipo de análise bem teórica.
Acabou que uma das bolsistas de IC teve que praticamente ensinar a pessoa a montar uma survey (em tempo, eu acho bem difícil usar questionário de forma interessante e significativa, estou inclusive me debatendo com isso em um artigo então não estou dizendo que não temos que problematizar os usos dessa ferramenta) e um roteiro de entrevista. Mas é isso, a pessoa veio de uma federal, passou por mestrado e doutorado, conseguia dissertar por páginas e páginas sobre o autor X e Y, mas na hora do “pega” não conseguia elaborar algo relativamente simples.
Sobre isso, acho que faltam seminários sobre experimentações de métodos e técnicas, formulações de ferramentas teste/ pilotos e debates sobre métodos que não deram certo e mudanças no percurso da pesquisa. Alguns grupos/laboratórios de pesquisa fazem isso em suas reuniões (é meu caso por vezes). A maioria das disciplinas dos programas - pelo menos nos de Comunicação - são ou muito protocolares e/ou o enfoque fica na reformulação do projeto de pesquisa em si. Acredito que faltam espaços mais livres.
No projeto POA Music Scenes (lá por 2014/2015) fizemos como parte das aulas muitos exercícios de derivas pela cidade de Porto Alegre nos utilizando de diferentes abordagens cartográficas. Tinhamos saídas de campo (em uma delas dois pesquisadores refizeram a caminhada descrita em um artigo publicado em 2000 e a atualizaram, grupos focais e materiais fotográficos, audiovisuais, desenhos em papel dos proprios pesquisadores, colegas de “restos e materialidades do campo”.
Materiais da pesquisa apresentados na exposição durante o Seminário Mapeando Cenas da Música Pop na Unisinos em 2016.
Além de ter alterado as próprias pesquisas de cada estudante e de fazer parte dos metodos do projeto em si ainda tivemos produtos audiovisuais, textos, uma exposição desses materiais que foi apresentada num evento do projeto e uma bus tour que rolou em 2017 no CoMusica. Essas experiências sei que também vem sendo feitas na UNIP na disciplina da colega Simone Luci Pereira e na UERJ pela colega Cintia Sanmartin Fernandes com resultados muito diretos nas pesquisas.
Já durante o projeto PROCAD/CAPES entre a UFF, Unisinos e UFPE tivemos uma outra experiência. Em 2018 conduzimos um seminário conjunto no qual cada aula (eram 5) foi sobre como cada um dos pesquisadores do projeto lidava com seus métodos e técnicas de pesquisa e ao final em vez de artigo solicitamos que cada aluno repensasse - por escrito - suas dissertações e teses a partir das propostas do seminário.
Um artigo resultante dessa experiência foi o capítulo “Apagamento digital como dinâmica de personas de artistas da música pop” escrito por mim e por Tatyane Larrubia e publicado no livro Territórios afetivos da imagem e do som, organizado por Simone de Sá, por mim e Jeder Janotti Jr e que saiu pela ed da UFMG em 2020. O livro pode ser baixado gratuitamente aqui. Nesse capítulo flertamos com a metodologia de escavação que Gustavo Fischer e o pessoal do TCAV tem trabalhado a partir da arqueologia das mídias, mas apropriando ela para as nossas pesquisas mais focadas em cultura pop. Foi um exercício interessante.
Uma outra experiência legal foi em 2020 num seminário coletivo de vários professores do PPG que intitulamos “Laboratório de pesquisa em plataformas digitais” na Unisinos em que após algumas aulas bem práticas sobre métodos, organizamos os alunos em equipes formadas por estudantes que participavam de grupos de pesquisa diferentes entre si. A tarefa que propusemos foi que cada equipe repensasse as proposições metodológicas - a partir de alguns parâmetros - de um grupo de pesquisa do programa. Em alguns casos, isso gerou reformulações nas ementas dos grupos, em outros nas questões de pesquisa dos projetos de cada um. Enfim, algo experimental sem uma finalidade específica.
Acho que esses dois pontos já dão muito pano para manga e aqui falo apenas algumas coisas que já observei e exemplos que participei. Com certeza devem ter outros.
Eu ainda tenho um terceiro ponto pra trazer que é sobre Divulgação Científica. No entanto, esse será longo - e por hoje já escrevi bastante, e vou fazer um texto específico em uma próxima edição da newsletter.
Bom final de semana! Comentários, perguntas, e elocubrações podem me enviar por email.