Véspera de férias e estou tentando fechar as últimas correções de trabalhos e uma arguição de banca, mas não desisti de enviar essa cartinha. Em tempos tão incertos e malucos, gosto de me apegar a rotinas e saber que a cada 15 dias tenho esse compromisso comigo mesma e com as poucas pessoas que me lêem aqui . Essa prática em vez de me disparar ansiedade me dá aquele acolhimento necessário, o chamado quentinho no coração (bem brega, mas é isso ai).
E ai que eu decidi falar um pouco sobre rotina, aquele lado de bastidor que as pessoas fingem não ver quando se trata do mundo da pesquisa. Passei um semestre inteiro falando na sala de aula do pós-graduação para não deixarem acumular leituras; para não deixarem para escrever o artigo nos últimos dias simplesmente porque para a maioria dos mortais isso não funciona. Ok, cada um tem seu jeito, mas o que mais tenho visto é o combo procrastinação + teimosia.
A escrita acadêmica tem seus estilos - pretendo falar disso mais adiante - mas também tem seus truques e para quem é iniciante, ou seja, está começando um mestrado escrever um pouquinho a cada dia é melhor do que “virar noites sem dormir” ou tentar escrever tudo em poucos dias e sair desesperada feito o Flash.
No entanto, eu gostaria de retornar um pouquinho antes, sobre a questão da cultura acadêmica ou cultura de pesquisa. Ou essa mistura maluca entre pesquisa e vida. As pessoas precisam entender que não dá pra entrar num mestrado acadêmico achando que é uma especialização ou um MBA, não da pra só ir na aula e achar que seu rendimento vai ser bom porque provavelmente não vai. Tinha aquele slogan de algum comercial dos anos 1980 que dizia, “não basta ser pai, tem que participar”. Eu parafrasearia, “não basta entrar no ppg, tem que participar”. Cada vez mais tenho visto pessoas se frustrando com suas expectativas em torno dessa área porque elas se jogaram no mar sem salva-vidas.
É claro que nos últimos anos, sobretudo no campo das humanidades, as coisas não andam nada fácil por questões macro políticas e de modelos esgotados (são questões muito complexas e que extrapolam esse texto). Mas vejo também uma série de pessoas que simplesmente vai no fluxo e não pensa: é nesse programa mesmo que eu quero entrar? é com esse/a orientador/a? esse grupo de pesquisa e essa linha tem a ver comigo? Eu pretendo mudar de tema? Essa linha está adequada ao meu tema? O estilo de trabalho desse lab tem a ver comigo, como é a divisão das tarefas? São detalhes que farão toda diferença. (Por exemplo, no meu caso eu jamais marcarei reunião de manhã cedo, tarde da noite ou sábados, mas tenho colegas que fazem isso. Aliás eu ODEIO trabalhar sábado, só trabalho em casos muito excepcionais por conta de algum deadline. Trabalho até domingo se for o caso, mas meu sábado é meu).
Vejo então muitas pessoas perdidas, pessoas que não conversaram com ex-orientandos. Pessoas que escolhem entrar em determinados cursos pelos motivos errados. Já ouvi uma pessoa dizer que queria fazer o mestrado em tal universidade pois era muito perto de onde ela morava, mesmo não tendo ninguém ali naquele programa que discutisse minimamente a temática da pessoa. É óbvio que isso vai terminar em frustração e sofrimento desnecessários.
Hoje em dia há uma série de pessoas bastante sérias que oferecem mentorias e atendimentos personalizados para quem quer entrar nessa área (recomendo fortemente o trabalho da Aline Andrade Pereira, por exemplo). Há muito mais informações do que havia anos atrás. Não há porque passar por isso deliberadamente - claro há situações inesperadas, mas ai rende um outro texto.
Fiz esse pequeno parêntese, mas queria voltar a reforçar o quão nociva é essa ideia/cultura de virar noites ou dias, enfim, para escrever. É preciso entender que o trabalho de pesquisa é de longo prazo e que é melhor uma evolução de escrita um pouquinho todo dia do que o acúmulo que gera uma sensação de estafa mental absurda. E para isso é necessário organização, nem todo dia vai ser possível ler e escrever - como não é possivel, pelo menos dentro da minha rotina atual fazer exercícios todos os dias.
No entanto, 2 a 3x por semana eu faço exercícios. É o que consigo no momento, já é melhor do que nada. Vale exatamente o mesmo para escrita. Tem dias que é melhor ler e fichar, outros pra escrever, outros pra coletar dados, fazer entrevistas, ir a campo, etc dependendo do método. Pra quem ainda não sabe quais são suas melhores habilidades, não tem outro jeito, a não ser se organizar e ir testando o que, como e onde funciona. O importante é ter uma relação íntima com o tema, afinal , ou pelo menos em tese foi você que escolheu estar ali.
Outros dois pontos que ajudam muito: 1) compartilhar dicas e pedir ajuda aos colegas. Criar uma rede em que você consegue trabalhar com as pessoas, deixa tudo menos solitário; 2) evitar as redes sociais. Não adianta você passar semanas falando do artigo maravilhoso que vc está escrevendo ou postando os artigos/livros lidos, isso te distrai do objetivo que é no fim das contas escrever a “porra do artigo” (parafraseando cariocashh). Comece a calcular quanto tempo vc perdeu discutindo através de textões ou fazendo threads incríveis e veja o quanto de energia você poderia ter colocado para cumprir o prazo. Se coloque horários para fazer isso ou mesmo escolha determinados dias se realmente aquilo for importante.
Me perdi totalmente no que eu ia falar, um misto de cansaço, sono e resfriado, mas espero ter enfatizado que escrever artigo de última hora não é viável. Evite o quanto puder. A cada semestre, evito cada vez mais essa prática que acho insalubre. Prefiro desistir de um prazo a me sentir desesperada desse jeito.