Oi pessoal, espero que estejam bem! Por aqui a vida andou bastante complicada nesse agosto gélido e cheio de atividades. Andei sumida das cartinhas e das redes como um todo, muito por conta de um acontecimento daqueles que ninguém espera passar. Meu marido teve um AVC e precisei focar em cuidar dele e em tentar manter a cabeça no lugar enquanto milhões de questões pipocavam em minha mente por conta desse susto. Felizmente, está tudo bem e ele está se recuperando da melhor maneira possível dentro das circunstâncias.
Não entrarei em detalhes. Ele descreveu o acontecido de forma melhor do que eu aqui nesse texto. Foi um susto grande que me deixou alguns dias muito afetada e sensível e que me fez pensar muito sobre uma coisa sobre a qual acredito que estejamos falhando no mundo acadêmico: redes de apoio. Em geral eu tenho um certo ranço desse termo por conta de ser mais um daqueles muito falado na internet do qual há um desgaste de sentido por tanto uso, conjuntamente com o clichê “it takes a village”. Mas o fato é que ninguém faz nada completamente sozinho.
Ai que, saindo da vida pessoal e pensando na profissional, nas últimas semanas tive algumas experiências desagradáveis que me fizeram refletir ainda mais sobre a importância de apoio, de amizade e de coletividade nessa vidinha por vezes tão alquebrada que é a Academia. Vou evitar cair naquela questão sobre “Academia Tóxica”. Acredito que as coisas sejam um pouco mais complexas do que isso. Mas também observo que muitas das picuinhas que começam nessa área são derivadas de pessoas que eram amigas ou aliadas, na verdade talvez fossem muito mais frenemies do que amigos e que se colocam em lados opostos à medida que o tempo passa e alguma questão - normalmente relacionada a uma competição ou a um pequeno poder vem a tona.
Logicamente, se eu fosse uma pessoa menos otimista, provavelmente após a última semana estaria me jogando da janela. Afinal, ouvir que algo pelo qual você batalhou pra caramba e se esforçou pela área, é algo que “apareceu ontem” e “que só eu participo” e portanto não há grande interesse, não é um bom jeito de motivar ninguém.
Felizmente eu sei ler nas entrelinhas e localizar de onde vem o ressentimento e simplesmente me afasto desse tipo de gente me mantendo cada vez mais firme em meus propósitos e em quem eu sou, o que inclui dar risada e me divertir. Completei 49 anos nesse mês (em meio a todo esse caos) e posso dizer que cada vez mais, sei bem o que não quero e quais as minhas concepções teóricas e de vida.
No entanto, justamente por conta das pessoas legais que estão desde sempre na minha vida profissional é que eu prossigo. Pessoas que em nenhum minuto hesitaram em me oferecer ideias, soluções, ajuda e disposição. E nessa semana elas foram centrais para que eu começasse a ver uma resolução para um assunto bastante delicado e que vai tomar todo o meu poder de diplomacia. E sim, se vc acha que estar na Academia é só dar suas aulas e escrever seus artigos e projetos, como diz o Choque de Cultura, “pensou errado otário”! O tempo todo precisamos lidar com seres humanos, gerenciar crises e se engajar em micropolíticas. E não tem nada de errado nisso, faz parte do trabalho.
Obviamente que em instituições privadas as questões tendem a ser mais sensíveis porque podem invariavelmente envolver pressões e questões das quais as pessoas dependem (o próprio emprego e o sustento), afinal os boletos nunca param como falam os millenials. Mas, pelo menos para mim, existem certos limites éticos para o quão isentão/isentona a pessoa pode ser/agir.
É muito lamentável ver que quanto mais a pessoa se auto-intitula “pesquisador crítico da sociedade” , invariavelmente ela tende a ser mais autoritária e ao mesmo tempo querer submissão dos outros.
Pedi ao Copilot uma imagem de pessoas num congresso de Ciências Humanas e Sociais e foi essa imagem ridícula que a IA gerou. Bem se vê que essa IA não conhece os looks do povo das Humanas hahahahah Fiquei com muito medo desses alienígenas
Parece que a crítica desse tipo de gente se resume a “falar mal de produtos midiáticos e objetos populares baixando o espírito de um Adorno mal diagramado”, mas na verdade não traz apontamentos para suas próprias práticas acadêmicas ou qualquer tipo de atitude mais propositiva. Por isso, já fico com um rancinho quando ouço certas criaturas dizendo “faço pesquisa crítica”.
Por outro lado, presenciar um silenciamento e o adoecimento constante de colegas e alunos tem sido muito lamentável e cada dia mais comum em todas as instituições. Alguns presos em pequenos poderes, outros sufocados sem poderem fazer o que efetivamente gostam e outros simplesmente ali sobrevivendo. Outros criando estratégias obsessivas em torno de um plano A que talvez nunca venha a existir e quando viu sei lá quantos anos se passaram.
Essas pessoas obviamente sem nenhuma cerimônia largaram mão de um projeto maior, o medo e a pequenez estampado em seus olhos. Mas isso é algo que já aprendi há tempo, só cola junto quem tem projetos de vida similares e como me disse uma das amigas “não da pra largar um peixe grande acostumado a nadar no mar aberto em um aquário minúsculo”. Se as pessoas não conseguem sequer se defender por suas questões, suas políticas e identidades quiça estenderão a mão aos outros.
É o capitalismo, o “produtivismo”, “aceleracionismo”, um pouco de tudo, mas também não é só isso e se queremos respostas mais interessantes do que essa precisamos fazer perguntas melhores.
Esse é só um parêntese, porque queria mesmo focar na importância da colaboração e que em tese deveria permear todos os processos educacionais e de pesquisa. A colaboração é central na construção de conhecimentos e saberes mais plurais. No entanto, ela requer uma disposição e um certo nível de desprendimento.
Tenho um visto um crescimento cada vez maior de uma competição nada saudável e um certo carreirismo e “foda-se o outro” no pior sentido possível. Obviamente que não há uma única explicação para o crescimento de um fenômeno como esse, mas com certeza a escassez de empregos não-precarizados na Academia, um numero não suficiente de concursos, o fechamento de PPGs, as parcas vagas nas particulares, o pouquíssimo investimento na pesquisa, além de outros fatores nos ajudam a compreender esse tipo de atitude.
Ai o que deveria ser da ordem do compartilhamento e da troca vira uma paranóia e um caldeirão de ressentimentos prestes a explodir. A pergunta que fica é como fugir desse modelo? Sinceramente não tenho respostas. Mas por alguma dessas coincidências percebo que é preciso parar e pedir ajuda. Conversar com quem você confia, pedir uma ideia para aquele problema de pesquisa que está parado ou pra entender o perrengue de uma atitude que parece não fazer sentido.
Como diz Amanda Palmer em “A arte de pedir” , pedir cria conexões e enriquece nosso conhecimento sobre a vida humana. Ok, talvez ela tenha sido um tanto exagerada e sim, eu sei que o centro do livro é sobre a questão do “pedir dinheiro” para sustentar a sua arte.
Mas na Academia, pedimos bolsas de pesquisa, pedimos verbas a uma agência de fomento através de um edital para projetos, pedimos e submetemos trabalhos aos pares. Conheço pessoas que criam mil e uma conspirações para não pedir verba, gente que nunca concorreu a nada por medo de ouvir não - também há os que criam justificativas doidas para contar que não conseguiram ganhar. Sendo que, na maior parte dos casos, o fato que se sobrepõe é que não há verbas suficientes para todos. Pedimos pareceres, pedimos atenção aos alunos, então porque pedimos tão pouca ajuda?
Nesse meu mês de aniversário tive duas recusas com dois NÃO bem redondos. Uma delas por uma questão de um erro na minha interpretação do edital (algo me passou, faz parte), a outra por conta de questões que não caberiam nesse espaço, mas que indiretamente estão aqui. Pra compensar também tive um aceite muito vitorioso, um presentão de aniversário!
Não sei se esse texto está fazendo muito sentido, mas é um momento pelo qual estou passando e que não gostaria de deixar escapar. Em dias tão difíceis, mandei mensagens para colegas que prontamente me atenderam e compreenderam minha preocupação e coletivamente rascunhamos algumas ideias para resolver um problema complexo que estava me gerando angústia. Para mim isso é fazer ciência e conseguir ainda manter uma humanidade intacta.
E por que estou falando tudo isso? Porque sigo pensando que precisamos falar mais de coisas que deram errado, sejam experimentos, sejam ideias, sejam recusas. Por que como naquelas frases de para-choque de caminhão “todo mundo vê as cachaças que eu tomo, mas não os tombos que eu levo”. Acho que compartilhar essas instâncias desconstrói essa aura sobre mestrado, doutorado, pesquisa, etc. Se precisamos de novos imaginários, antes msm da IA precisamos nos desenviesar sobre o que significa a vida acadêmica.
Dicas acadêmicas
Para fechar esse texto um tanto desconexo alguns apontamentos e dicas.
Participei recentemente do podcast Tecnopolítica batendo papo com Sérgio Amadeu da Silveira (UFABC) sobre desinformação e transformações na cultura digital. Adorei essa participação bem espontânea em que comentei vários resultados de pesquisas nos quais o Laboratório CULTPOP vem trabalhando.
Muito legal que lá em 2009, no começo da minha carreira, o Sergio viabilizou o lançamento do livro Blogs.com (coletânea organizada com Raquel Recuero e Sandra Montardo) e que hoje é um livro histórico de referência da pesquisa em mídias digitais no Brasil e no podcast falamos justamente dessas mudanças.
O livro Online Virality. Spread and Influence está disponível em acesso aberto no site da editora De Gruyter. A coletânea foi editada por Valérie Schafer & Fred Pailler, pesquisadores de Luxemburgo. O capítulo From “Nazaré Confusa” to the “Confused Blonde Lady”: The Role of Brazilian “Zuera” as a Post-Mass Media Genre in Digital Culture foi escrito por Eloy Vieira e por mim. Nesse artigo, um spin off da tese de Eloy, discutimos o caso do meme da Nazaré em um contexto transcultural. Muito feliz em participar desse livro.
Por falar em memes, o retorno do Oasis para shows no Reino Unido em 2025 tem gerado uma onda de imagens e mobilizações dos fãs, além de muita conversação. Entre 2014 e 2017, o CULTPOP em colaboração com outros pesquisadores e em parceria com a Universidade de Salford (na Grande Manchester) realizou uma série de pesquisas que partiam das noções de indústrias criativas e cenas musicais daquela cidade e ampliavam a discussão para Porto Alegre. Os livros resultantes desse projeto demonstram que há mais conexões entre Porto Alegre e Manchester do que o amor pelos times azul e vermelho e do que os irmãos Gallagher possam supor.
Mapeando cenas musicais volume 1 (2017) e
Tem mais novidades e participações a caminho: coordenação do GT de Moda & Cultura Pop no Colóquio de Moda - apresentarei um trabalho sobre as relações entre os Estudos de Fãs e a Moda - no SENAC Santo Amaro (SP), IASPM América Latina (International Association for the Study of Popular Music) no Recife - onde vou apresentar trabalho sobre pós-punk no TikTok e grandes mudanças. Tudo a seu tempo pois o semestre recém começou.
Até a próxima newsletter pra finalizar a série sobre as lacunas dos programas!
Olá Adriana, que bom que voltou a escrever, precisamos mais destas conversas, superar os conhecimentos tácitos da academia. Alguns comentários:
- Vou marcar o podcast para escutar, o Sergio Amadeu esteve aqui recentemente num seminário na Fundaj, aprendi muito com ele. Em breve publico uma resenha/resumo em http://iaedpraxis.substack.com. Fiquei de ser convidado para o podcast, vamos ver...
- Muito interessante o viés da geração de imagens. Apresentei agora na Alaic sobre viés de gênero (feminino) relacionado a profissões. Seria um teste interessante, variar prompts, testar várias plataformas
- Infelizmente vejo que até as redes de apoio estão sofrendo com uma desmobilização geral na universidade. Fizemos a abertura do semestre da pós, consegui duas professoras pesquisadoras da Psicologia para falarem de adoecimento mental. Só apareceram oito pessoas, de um centro inteiro.
Enfim, parabéns pelo texto!
Muito bom o texto. Espero que o pessoal da Academia pelo menos pare um pouco para pensar o que está fazendo e como está fazendo. bj