Episódio 13 - Lacunas na formação de pesquisadores - Parte III
Limites e possibilidades da popularização da ciência
Oi pessoal, tudo bem? Todo mundo firme, preparados para a segunda metade do semestre?
Chegando ao fim de um abril turbulento em que por muito pouco não consigo entregar mais um texto por aqui. Um mês em que passei uma semana inteira no “purgatório da beleza e do caos” (Fausto Fawcett e Fernanda Abreu). Aproveito aqui para agradecer aos pós-graduandos/as/es que participaram ativamente do meu curso no PPG Comunicação da UERJ.
Foi legal demais conhecer as pesquisas e um pouquinho de vocês. Seguimos em contato ;) Voltei a SP e como sempre acontece quando retornamos de viagem de trabalho, me sinto tipo no sorteio de cartas do programa da Xuxa, onde estou sentada em uma pilha de correspondência, jogo uma pra cima (no caso uma tarefa) e escolho o que vou fazer. Ok, não é bem assim, temos prioridades, mas é só pra ter uma imagem.
Seguindo a série sobre lacunas na formação dos pesquisadores vamos a mais um tópico: popularização da ciência / divulgação científica. Sim, eu sei que há diferenças na terminologia, mas para fins dessa cartinha vou considerar ambos como sinônimos.
O que vou compartilhar aqui hoje são algumas experiências e um relato de como comecei a utilizar a popularização da ciência como mais um dos escopos dentro do meu trabalho e do meu laboratório de pesquisa.
Em primeiro lugar, acredito que isso deva acontecer de forma orgânica/ integrada aos outros passos dos projetos de pesquisa. Também creio que ampliar as relações entre o que fazemos na universidade e a sociedade como um todo seja algo benéfico a todo mundo, mas que nem todo mundo sabe e/ou consegue fazer, e tão ok.
No meu caso, desde a metade do meu doutorado eu comecei a estender o meu escopo de materiais para divulgar a minha pesquisa. Escrevia artigos com uma linguagem adaptada em fanzines e webzines, em jornais de circualçao regional/nacional e no meu próprio blog (saudades blogs).
Fui fazendo isso sem pensar muito, mas ou porque alguem da imprensa me pedia algo relacionado - tive a sorte de no meio da tese ter o lançamento do filme Matrix Reloaded (2003), o que reavivou o interesse por Ficção Científica e pela cultura cyberpunk - ou porque eu mesma ia tentando fazer. Também sempre participei de eventos não estritamente acadêmicos como eventos de cultura pop ou de tecnologias.
Quando terminei o doutorado, no longínquo ano de 2005 (OMFG quase 20 anos) eu já tinha uma boa articulação e o que acho mais importante, gostava de experimentar esses outros formatos de escrita e fala a respeito da minha temática de estudo. Até hoje conheço pessoas que me conheceram através desses fanzines (inclusive teve gente que virou meu amigo pessoal por isso e pelo blog também).
Assim que ingressei como professora numa universidade e fui credenciada num programa de pós-graduação, dentre as coisas que eu me comprometi comigo mesma a fazer era seguir produzindo esse tipo de material e de certa forma nunca parei.
Naquele momento, ainda não havia uma cobrança muito específica disso pelas agências de fomento nem por parte da CAPES em relação a professores e alunos. Pelo menos eu não lembro disso ter sido comentado nas dimensões da avaliação, que naquela época se preocupava no máximo com o site dos programas e a divulgação dos links das teses e dissertações. Também não lembro de ver isso explicitado em editais de fomento como acontece hoje.
Atualmente a maior parte dos editais não só deixa explícito como exige um plano de divulgação científica. Ja dei incontáveis pareceres nos quais o projeto era bom, mas não havia menção ao plano de DC e sendo um dos itens obrigatórios isso faz com que o projeto perca pontos. Muitas vezes o plano de DC que vejo se restringe a indicar que vai publicar artigos, capítulos e livros. Não, gente, já passamos dessa fase do game. Livros, artigos em periódicos e congressos, capítulos são resultados derivados das metas do projeto, mas não são popularização da ciência nesse sentido. Voltemos a isso, mais adiante.
Enfim, la em 2005 então, eu timidamente comecei a montar meu primeiro grupo de pesquisa e coletivamente com alguns alunos montamos press releases sobre as pesquisas que estávamos desenvolvendo na época e encaminhamos para a imprensa. A maioria não nos respondeu nada, mas tivemos alguns retornos e nesse processo começamos uma relação com os jornalistas que cobriam essa pauta. Ponto básico de assessoria de comunicação.
Quase vinte anos depois e com meu grupo atual utilizamos pouco esse subterfúgio, apenas quando lançamos algum produto específico como um livro, ou na divulgação de um evento ou lago específico. Já temos uma regularidade de trocas com quem cobre a área de cultura pop, sobretudo através do Instagram do laboratório e por e-mail.
Escolha suas batalhas
Em termos de relações com a mídia, um ponto é importante o que chamo de “escolher suas batalhas”. O que quero dizer com isso é que não é preciso fazer tudo e nem participar e atender todas as demandas e pedidos de falas, entrevistas, etc. Sempre que entram em contato com algum pedido sobre determinado tema, eu procuro saber: 1) qual o veículo e editoria 2) se for audiovisual se será gravado ou ao vivo 3) qual a linha editorial 4) se o tema e as questões é algo que a gente realmente possa ajudar.
Outra dica importante é estabelecer um bom relacionamento com a equipe da assessoria de comunicação da universidade (ou instituição) em que você trabalha. Além de “fazerem a ponte” eles podem ajudar nessa mediação.
Não falo (e procuro que meus orientandos façam o mesmo) sobre todos os temas, mesmo dentro do meu subcampo de pesquisa, mas também vejo se o veículo em questão está alinhado com meus valores.
Não precisamos e nem devemos ocupar todos os espaços de forma indistinta. Essa é uma negociação que precisa ser feita. Já deixei de falar numa certa emissora evangélica porque era um tema um tanto polêmico e o material seria gravado e editado. Fiquei receosa que meu depoimento pudesse ser retirado de contexto e recusei.
Mas também já entrei em algumas “roubadas”. Uma vez fui parar num debate na TV Educativa no Paraná em que estavamos eu e um padre para falar de “amizades nas redes sociais” e o apresentador ficava tocando lenha na fogueira pra ter treta. Eu era jovem e caí no bait. Um mês depois me ligaram da produção querendo que eu retornasse com a mesma pessoa. Não quis porque não queria entrar em conflito.
Outra vez fui falar sobre comunicação digital num canal de TV a noite, num programa quase trash - era um Luciano Huck de baixissimo orçamento - justamente porque não investiguei e nem conversei com ninguem e era um canal que eu desconhecia. Saí de la frustrada, com vergonha e com a lição aprendida.
Um ponto importante é responder à solicitação mesmo que não possa ou escolha não aceitar o convite. É muito simples e basta dizer que não pode, que não domina o assunto, que não pode naquele dia, enfim, regrinha de etiqueta e civilidade. Se puder e/ou conhecer alguem que tenha o perfil e conheça aquele tema, indique e passe o contato. Não dói. É honesto e ajuda quem precisa.
Experimentando outros formatos
Há muitas maneiras de produzir conteúdo sobre sua própria pesquisa e cabe a cada um (enquanto pesquisadora e enquanto grupo/laboratorio/programa etc) achar seus caminhos. Nos últimos anos tenho visto muitas coisas legais e criativas como funcionam tanto para sala de aula como produto experimental de ciência e divulgação.
Dentre eles, a dublagem de teorias ( jamais vou esquecer das Spice Girls cantando Foucault , obrigada Rafael Grohmann por isso); a HQ derivada da dissertação de mestrado da Larissa Becko, Caçadora de Fãs (2020); e nossa bus tour sobre o rock gaúcho cujos pontos foram derivados diretamente do projeto de pesquisa sobre rock e música eletrônica em Porto Alegre - mais especificamente dos dados coletados nos grupos focais.
Além desses que cito assim de cabeça, muitas coisas estão sendo produzidas em muitos lugares e também a partir de diferentes projetos de pesquisa como acervos de bibliografias com o estado da arte de determinado tema, bases de dados, mini documentários, podcasts, animações, jogos, perfis no TikTok e por ai vai. As possibilidades são múltiplas.
Não vou nem entrar aqui na questão dos influencers de ciência, nem na discussão imensa sobre algoritmos e plataformização da pesquisa/ciência - são tópicos que merecem atenção especial, portanto um outro texto.
No entanto, acho que existem duas grandes barreiras para o engajamento na divulgação científica. A primeira delas é a barreira do perfil de cada pesquisador e de como ele/ela pode achar uma linguagem própria. Me preocupa também que isso seja uma obrigação, pois nem todos querem e tem o perfil para isso. Eu por exemplo faço muito pouco vídeo, sou uma pessoa do texto.
Entretanto, em projetos coletivos devemos pensar em quem (e sobretudo como) pode gerenciar essa parte da melhor forma. Não da para tratar isso como um item menor do projeto, precisa ser pensado de forma orgânica com a teoria e o método, objetivos e resultados (fica ai a dica pros projetos que mencionei la em cima). Ou seja, eu prefiro que seja algo simples mas que estabeleça relações com o próprio tema do projeto.
A segunda diz respeito ha mais um daqueles temas que são jogados pra baixo do tapete na Academia: a produção da DC é um trabalho profissional e precisa ser remunerado. Para tanto, a verba precisa sair de algum lugar. Observem que em muitos editais de projetos não há possibilidade de rubrica pra divulgação e muito menos editais focados em popularização da ciência (são mais raros que eu usando roupa branca) e disputados a tapa, portanto muito difícieis e ainda temos que disputar entre áreas com vocações diferentes.
Algumas agências de fomento como a FAPESP por exemplo que em determinados projetos libera bolsas técnicas focadas para isso. Tivemos a honra de ter duas bolsistas (Sarah e Luiza vocês foram brilhantes) dedicadas à divulgação científica do PPGCC da Unisinos em um projeto que desenvolvemos em parceria com a FEEVALE através de um edital do CNPq. Nesse texto de apresentação do dossiê Economia e Sociedade Digital da revista Prâksis, Sandra Montardo (coordenadora do projeto) e Gustavo Fischer comentam sobre a importância desse projeto interinstitucional bastante raro.
A micro-série “Territórios Afetivos da Imagem & do Som” produzida a partir da pesquisa coletiva financiada pelo PROCAD-CAPES provavelmente não teria sido produzida (montagem brilhante do querido Leonam Della Vecchia, parabéns, agora recém doutor!) sem a verba específica que tínhamos para isso.
Então, no meu entendimento não da para ter uma cobrança pesada por popularização da ciência se não discutirmos a questão das verbas e do pagamento/ infra estrutura dessa produção. Meu lab entrou em pausa no podcast justamente por falta de verbas para esse fim específico no momento, sobretudo com remuneração para quem produz conteúdo. A questão do tempo dedicado à produção desse material também precisa ser equilibrado em relação a outras coisas como por exemplo as pesquisas de cada um. Difícil equilibrar os pratos e ainda fechar as contas. Como diria Avril Lavigne: “complicated”.
Últimos pontos
Enfim, tentei trazer nesse texto através de alguns tópicos e exemplos pontos de abertura para falar dessa lacuna e abrir a uma discussão. Novamente, não tenho respostas, mas tenho algumas pistas que trouxe para o debate.
Antes de encerrar o texto, queria dizer que também aprendi muito sobre experiências de DC, ou de sala de aula lendo os relatos de colegas. Acredito que a área de Comunicação de forma geral valorize pouco outros formatos de textos como relatos de experiência, entrevistas e resenhas. Esses formatos são importantes para manter os “bastidores da pesquisa e das produções”. Vou indicar alguns aqui.
O texto da Larissa Becko sobre a produção da HQ pós dissertação, que se tornou um capítulo de livro (no link vocês encontram o livro em acesso aberto): “Caçadora de fãs: uma aventura acadêmica”: o artefato de leitura como produção de conhecimento e de experiência científicos. In: Cristiane Pereira Costa Dias; Greciely Cristina da Costa; Marcos Aurelio Barbai. (Org.). Artefatos de Leitura. 1ed.Campinas: LABEURB/NUDECRI/Unicamp, 2020, v. 1, p. 123-135.
CULTPOP: estratégias e experiências para a popularização da ciência e da cultura pop, artigo coletivo do Cultpop sobre nossas estrategias durante a pandemia. Publicado em 2023 na revista Comunicação & Educação da USP, aliás uma das poucas revistas que aceita esse formato de artigo. Parabéns aos editores, em especial à atenciosa Claudia Nonato.
O fandom como objeto e os objetos do fandom, entrevista de Matt Hills realizada pela colega Clarice Greco em 2015. Essa entrevista é essencial para quem quer começar a adentrar a pesquisa sobre fãs, mas não sabe por onde começar.
Era isso, até a proxima edição!
Obrigado por mais um texto ótimo para reflexão ;). Fiquei pensativo, porque desde o mestrado tenho pensado cada vez mais sobre as etapas de pesquisa, o que me levou a melhorar meus procedimentos metodológicos. Hoje já penso neles com mais cuidado e detalhamento, para ajudar quem lê entender mais rapidamente minhas intenções e poder indicar o texto para um colega ou para alguém que goste daquela temática. Talvez eu ainda me apoie muito na DC do boca-a-boca, porque não consigo mexer devidamente pela via das redes sociais. De qualquer maneira, continuarei acompanhando seus textos professora ;) <3.